quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Balzaquiana

Há poucas semanas, o general Hamilton Mourão, vice de Bolsonaro, defendeu a elaboração de uma nova Constituição “sem os eleitos pelo povo” pois, afinal, “já tivemos vários tipos de Constituição sem ter passado pelo Congresso”. Nos últimos dias, o adversário de Bolsonaro e candidato do PT Fernando Haddad disse que alteraria a Constituição “se o Congresso assim entender”.

Embora a declaração do petista se enquadre nos moldes da democracia brasileira, ao contrário da declaração do general, é curioso que as campanhas dos dois candidatos favoritos a disputar o segundo turno neste momento tenham se referido à necessidade de mudar a Carta Magna do País justo quando ela completa 30 anos. A Constituição brasileira foi aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte em 22 de setembro de 1988 e promulgada em 5 de outubro do mesmo ano.

Trata-se, portanto, de uma balzaquiana. Mulher experiente e emocionalmente amadurecida, ainda que possa ter lá seus defeitos como qualquer outra balzaquiana.


Mulheres têm sido protagonistas nessas eleições tão estranhas. A elas fazem questão de se referir os candidatos nos debates na TV. Foram elas que organizaram o movimento #EleNão, que ganhou não apenas as ruas do País, mas também as páginas da imprensa internacional e a adesão de celebridades globais. A divisão dramática do País ficou evidente quando, um dia após os protestos contra Bolsonaro, houve manifestações apoiando o candidato da direita extrema em algumas cidades brasileiras. As pesquisas de opinião continuam a mostrar que, apesar do peso das eleitoras, o candidato rejeitado por grande contingente das mulheres brasileiras ganha novos adeptos e adeptas, todos aqueles eleitores que nele votarão para evitar o retorno do PT.

Que fique claro: o pior cenário eleitoral se consolida rapidamente. Essa eleição não deveria ter se transformado em referendo sobre a democracia versus referendo sobre a corrupção, mas essa é a escolha com a qual se defrontará a população, por mais que o instinto de negação queira demonizar o outro lado para evitar a dor dessa realidade. Realidade que é fruto de circunstâncias que escaparam do nosso controle.

Há os que querem se referir a Bolsonaro como “um fenômeno eleitoral”. Marketings e ingenuidades à parte, o candidato não é nada disso. Ao contrário, Bolsonaro é fruto do total desmantelamento institucional que o País vem atravessando nos últimos cinco anos. Começou com os protestos de 2013 que não tiveram resposta política para os anseios difusos da população que foi às ruas. Se intensificou com a má gestão econômica do governo de Dilma Rousseff e com a explosão da Lava Jato e suas revelações avassaladoras. Ganhou ainda mais impulso quando o PSDB decidiu se juntar ao abjeto PMDB para pedir o impeachment de Dilma, o impeachment de coalizão que tentou abortar uma crise econômica anunciada e desacelerar a Lava Jato, simultaneamente.

Dilma manteve seus direitos políticos, ao contrário do que manda nossa balzaquiana Constituição, e deve se eleger senadora por Minas Gerais. Se isso não desmascara a farsa que nos trouxe à convulsão institucional em sua plenitude, difícil é saber o que o faria.

Por fim, a candidatura de Bolsonaro, do homem que defende a tortura, a morte, e que acha a democracia espécie de brincadeira de mau gosto, foi selada pela ânsia de Lula e do PT. A ânsia de voltar ao poder como espécie de revanche, de vingança histórica. Não tivesse o PSDB participado do impeachment e do desde sempre moribundo governo Temer, hoje teria chances de eleger um candidato. Não tivesse o PT lançado uma candidatura nessas eleições, não haveria Bolsonaro.

Bolsonaro é o sintoma da indignação profunda, da raiva, da traição do PT que, prometera entregar prosperidade, mas se rendeu com facilidade às engrenagens da corrupção brasileira, assim alcançando patamares jamais vistos. Haddad até seria um bom candidato, não estivesse ele concorrendo pelo PT. Mas está. E, desse modo, viabilizou Bolsonaro.

Em meio ao abismo que se anuncia, ninguém haverá de comemorar a conquista de 30 anos de Constituição. Afinal, quem se importa ante a cegueira que acometeu o País?

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