quinta-feira, 13 de setembro de 2018

À distância

Li que implantaram um troço no cérebro de um macaco, e ele conseguiu mexer outro troço com o pensamento.

Um eletrodo acionado por neurônios, ou coisa parecida, permitiu ao macaco deslocar um objeto a alguns metros de distância só com a sua vontade.

De certa maneira, isto é o fim de um ciclo que começou na primeira vez em que um hominídeo pensou na possibilidade de afetar algo distante dele sem sair do lugar. Pode-se resumir o desenvolvimento da humanidade e da sua ciência no cumprimento desta vontade de não precisar ir lá.

A penúltima fase do processo foi o controle remoto. A última, lógica, fase será a da telepatia. Hoje o macaco; amanhã, nós todos.

Sempre defendi a tese de que foi a preguiça que trouxe a civilização. O que foi a invenção da roda se não o prenúncio da charrete e um triunfo do comodismo?

Fomos a primeira espécie a criar um jeito de não ir, mas ser levada.

A razão do hominídeo para deflagrar o processo que resultou no controle remoto foi prática, a de atingir uma presa sem se arriscar a ser mordido, ou almoçar sem ser almoçado.

O primeiro lance do longo processo que terminou com o implante no cérebro foi a pedra arremes sada. Depois, vieram a lança, o estilingue, o arco e a flecha, a catapulta, as armas de fogo, o foguete intercontinental, o drone — todos engenhos para evitar chegar perto.

A distância sempre foi um inimigo natural do homem, ou pelo menos do homem preguiçoso. Vencê-la foi o nosso grande desafio intelectual, e agora se abre a possibilidade de subjugá-la só com o intelecto, desprezando os instrumentos que, da pedra à internet, nos ajudaram até aqui.

Estamos simbolicamente de volta à savana primeva pensando em como empurrar aquele mamute para dentro do fosso sem precisar ir lá, mas agora o pensamento basta. A vontade se realizará sozinha, sem as mãos, sem mais nada. A preguiça cumpriu sua missão histórica.

Agora, só precisamos encontrar um jeito de pedir ao macaco que mexa alguma coisa por nós.

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