segunda-feira, 23 de outubro de 2017

O presidente que abraça o povo

O que mais chama atenção nas fotos do presidente de Portugal com as vítimas dos últimos incêndios que devastaram o centro do país é que ele abraça de verdade. Marcelo Rebelo de Sousa (Lisboa, 1948), do Partido Social Democrata (PSD), de centro-direita, é o “presidente dos afetos”.


“As pessoas humildes”, dizia durante sua triunfal campanha eleitoral em janeiro de 2016, “já sabem que você não pode solucionar seus problemas particulares, mas um momento de consolo não custa tempo nem dinheiro. Isso não podemos negar a elas.” Portugal saía do Governo de Pedro Passos Coelho, também do PSD. Frio, cinzento, distante das pessoas, que executou sem alma a receita de austeridade econômica da troika (Banco Central Europeu-BCE, Fundo Monetário Internacional-FMI e Comissão Europeia).

Dezoito meses depois, Rebelo de Sousa continua abraçando com o mesmo carinho da época em que pedia votos. As vítimas dos incêndios se sensibilizam em seus braços, enquanto ele lhes garante, com a fé que professa, que o pior já passou. “O futuro será melhor”, consolava um idoso que tinha perdido tudo – e não era muito.

Engana-se quem vê em seus abraços, suas viagens e suas palavras uma figura folclórica. Marcelo Rebelo de Sousa não é um produto do populismo nem do Big Brother; tampouco é um político de partido ou um teórico universitário. Pelo menos, não só isso. Com o tempo, sua personalidade absorveu o melhor de cada estereótipo, o contato popular, a habilidade negociadora e a bagagem intelectual, e no caminho se desprendeu de impaciências e arrogâncias.

Desde o primeiro dia, quis ser o presidente de todos – e não exclusivamente de nenhum. Pagou toda a campanha com o próprio dinheiro: 157.000 euros (581.000 reais), menos que a campanha do Partido Comunista, e conseguiu 52% dos votos praticamente sem realizar atos políticos. Bastava sair pelas ruas e abraçar as pessoas que nunca tinham sido abraçadas.

Nos 18 meses de seu mandato, sua figura quase não se deteriorou, contrariando quem previa que sua hiperatividade presidencial se desgastaria com o tempo. Certamente, Rebelo de Sousa está em todos os lugares que deve estar – e em mais alguns. Nos compromissos oficiais e naqueles que não existiam para os telejornais; na segunda-feira com certeza, mas no sábado e no domingo também. Seu site institucional tem mais atividade que o de muitos jornais on-line; entre seus posts diários, é possível encontrar discursos protocolares, pêsames pela morte do cantor George Michael e parabéns a um professor pelo aniversário de 80 anos.

Segundo a empresa de relações públicas Cision, em um ano os canais de TV dedicaram a Rebelo de Sousa 1.060 horas de transmissão, o equivalente a 2,9 horas por dia; a imprensa escrita, mais de 18.000 matérias, 49 por dia.

Estatisticamente, é quase impossível que exista um português que não tenha abraçado o presidente, compartilhado selfie com ele ou visto a sua cara. O mais extraordinário, com tamanha atividade, é que seu desgaste popular e político seja praticamente nulo. Segundo pesquisa realizada em outubro pela Eurosondagem, 69% dos entrevistados aprovam sua gestão, 21 pontos percentuais na frente do primeiro-ministro António Costa; apenas 7% das pessoas têm imagem negativa sobre seu trabalho, contra 13,6% de Costa.

O mérito de Rebelo de Sousa é que sua proximidade do povo não afetou o prestígio nacional e internacional da instituição. Com a mesma intensidade com que abraça quem precisa de consolo, ele exerce suas funções presidenciais. Em um ano e meio, assinou cinco vetos, dois contra decretos do Governo socialista e três contra resoluções do Parlamento. Embora a Assembleia da República possa rejeitar a medida, nas três vezes preferiu retificar seu texto; já o Governo optou por anular os decretos. Sua autoridade moral vai além das atribuições constitucionais.

“Seria indesejável um presidente que quisesse mandar no Governo”, escreveu Rebelo antes de chegar ao cargo. “Mas um presidente que se apaga totalmente, que não seja uma referência de Estado, que não seja pedagogo em relação aos outros poderes seria igualmente indesejável.”

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