segunda-feira, 3 de julho de 2017

A defesa de Michel Temer e o ataque a Rodrigo Janot

Michel Temer e seus camaradas não são a unanimidade que se poderia supor diante das pesquisas; ainda há uns poucos setores que o apoiam e confiam em seu papel supostamente reformista. Para eles, a recuperação econômica e a lógica das reformas a qualquer custo são mais relevantes que princípios éticos e mudanças políticas, que só se fariam sentir no longo prazo. É um compreensível modo de ver o mundo, onde pesam os valores do indivíduo. Todavia, como disse Luís Roberto Barroso esta semana, no Insper, se ''cada um tem direito à própria opinião, não tem direito aos próprios fatos''.

E os fatos falam por si, a despeito dos valores, da estratégia e dos pronunciamentos do presidente e de seus defensores. O fato é que o sistema entrou em colapso e Michel Temer representa, antes que a redenção econômica, o abraço de afogado desse sistema, o que, paradoxalmente, impede a própria recuperação da economia. A salvação da própria pele é, hoje, o que dá a lógica da ação presidencial e da maior parte dos aliados políticos que o abraçam. Vem daí a luta feroz que travam com o Ministério Público, no geral, e com Rodrigo Janot, em particular.


Esses poucos crentes — com mandatos e poder — se desesperam por aquilo que poderia ter sido, mas não será. Afirmam que, não fosse o 17 de maio, Michel Temer se consolidaria como o maior reformista da história do Brasil. Exagero e omissão; o Joesley Day foi um Cisne Negro que surgiu como natural resultado de um processo de putrefação. No mais, negligencia-se a história e a natureza do ator: por toda a vida parlamentar, Temer jamais foi além do articulador de interesses do ''baixo clero'' — o grupo de parlamentares de mentalidade provinciana, exclusivamente fisiológica, sem opinião a dar sobre questões realmente relevantes.

Em seu período na Câmara dos Deputados, não há notícia de debates abrangentes que tenha estimulado. Em regra, tudo foi antes, processos de acomodação de pequenos interesses, mesmo quando se falava em reformas. Pautas corporativas do parlamento, negociações de espaços na máquina em troca de apoios; renegociações por mais espaço; embates dessa natureza deram-lhe sentido e fizeram sua carreira. Não foi o único, mas, talvez seja o mais bem-sucedido político do tipo — mais que Eduardo Cunha, guardado hoje em Curitiba.

Com o passamento de atores de maior estatura, figuras assim deram a impressão de que se elevaram, mas foi o Brasil que estancou de repente. A associação com esses atributos duvidosos interessou ao projeto de poder do Partido dos Trabalhadores, que os arrematou em leilão. Contudo, arrodeado por anões, Temer jamais pode-se emparelhar aos gigantes que, de fato, o país um dia teve. Como tamanho é coisa relativa, não por acaso, seus defensores insistem em compará-lo a Dilma Rousseff. Mas, aí os parâmetros são outros.

O impeachment de Dilma e a assunção de Temer foram, antes, uma tentativa de salvação do sistema que colapsara, que Dilma nunca conseguira coordenar — ainda que tentasse. Um processo de reloading (já escrevi sobre isto, leia aqui) que buscou reanimar o velho e dar fôlego ao moribundo tradicional modo de fazer política pequena que já não mais se sustentava diante da sociedade que emergira a partir das jornadas de 2013 e da crise que agora cobra seu preço pela indolência e pela imprevidência do passado.

A evolução de personagens como Dilma Rousseff, Michel Temer, Eduardo Cunha e até Aécio Neves — com origem e natureza distintas — deu-se na ordem inversa do empobrecimento da liderança política, das grandes questões nacionais, de uma visão nobre de entrega política e social; representam o colapso dos grandes partidos. Os personagens que resultaram de um processo degenerativo e de abandono social, que hoje nos damos conta entre surpresos e resignados.

Com todos os defeitos que se possa atribuir ao Procurador-Geral, ao novo Judiciário e a turma de Curitiba — e são várias as correções aí necessárias —, não se pode negar que representam a possibilidade de ruptura com o sistema político decadente já há algumas décadas. O enfrentamento com Janot é, portanto, primeiro que tudo, um grito de socorro; a agonia de um mundo que se desfaz, resultado de várias crises que compõem a atual crise (também sobre isto já disse: leia aqui.); resultado de conflitos inconciliáveis. Um mundo político decrépito e que, no entanto, ainda resiste.

Vociferam indignados seus apoiadores; formam brigadas dispostas a cruzadas e patrulhas ideológicas, vocalizam essa resistência. Tem direito a opinião, mas os fatos os tornam cada vez menos numerosos, isolando-os. O que se passa no Brasil é, quando menos, a tentativa de remoção do entulho fisiológico e corrompido — que, sob o tapete, se formou ao longo dos anos e tomou toda a sala — contra práticas que transformaram a política oficial numa atividade, infelizmente, miserável; salvo as mais distintas e louváveis exceções.

A defesa de Michel Temer oculta isto; negligencia a natureza da crise e se agarra à fantasia de um estadista que não existe: reformador e injustiçado. Opinião que se difere dos fatos que revelam um presidente incapaz de se defender — que ataca ilações supostas por meio de ilações explícitas e confessas. Um desespero patético que tenta remeter um importante conflito ético-político ao campo de disputas políticas mais ordinárias.

Carlos Melo

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