Foz do Iguaçu, Cascavel, Maringá, Londrina. Tenho discutido a crise brasileira em algumas cidades, a propósito do lançamento de um livro. Nessas conversas, a primeira parte é sempre mais fácil. Trata de uma análise dos fatos e erros que nos jogaram nesta crise e secaram as esperanças inspiradas pelo movimento das Diretas-Já. A segunda parte, que trata de uma saída para a crise, é bem mais nebulosa. Repito a imagem de uma navegação na neblina, com todos os perigos que ela implica, inclusive o risco
A Constituição é uma bússola, mas segui-la apenas não supera todos os obstáculos do caminho. Não há nada na Constituição, por exemplo, que impeça a escolha de um idiota para o cargo de presidente. Da mesma maneira, a Constituição não nos protege das tentativas do governo de controlar e bloquear as investigações da Polícia Federal (PF). Falta nela um dispositivo que garanta a autonomia da PF, para protegê-la desses ataques.
Dilma trocou o ministro da Justiça duas vezes. Temer, na mesma situação, utiliza a velha tática. Eles nos colocam numa situação delicada. De modo geral, em situações difíceis somos obrigados a contar com a ajuda de desconhecidos.
As escolhas de Dilma e Temer nos obrigam a espancar desconhecidos. Eles escolhem pessoas que mal conhecemos, com a tarefa de enfrentar e neutralizar a Lava Jato.
De acordo com os grampos, Aécio Neves, por exemplo, conspirando com Temer, queria que o ministro da Justiça escolhesse os delegados para os inquéritos envolvendo políticos. Era uma forma de neutralizar as investigações.
Os delegados da PF já perceberam o que está em jogo. Temer, na mesma operação, designou Osmar Serraglio para o Ministério da Transparência. Houve resistência dos próprios funcionários. Como sair chamuscado da Carne Fraca e assumir um cargo vital no combate à corrupção? Serraglio saltou fora.
Os derradeiros movimentos de presidentes em queda costumam ser patéticos. O medo está implícito em suas decisões: é mais importante sobreviver no cargo do que considerar a gravidade e a urgência dos problemas nacionais.
A Constituição prevê a escolha indireta de um novo presidente até 2018. Mas quem teria força para vencer no Congresso? A tendência é escolher o candidato que mais atenda aos anseios dos políticos, e não da sociedade. O programa desse período-tampão não importa tanto, mas, sim, o que fazer para evitar que a polícia os alcance e, mais ainda, que ela não possa deter os futuros processos de corrupção.
A solução desse impasse, para quem gosta de saídas simples, são as eleições diretas. Outro dia ouvi alguém defender diretas para o período até 2018 e diretas de novo em 2018. Num país com 14 milhões de desempregados, duas eleições nacionais quase seguidas são um remédio com grande chance de matar o paciente.
É difícil o Congresso eleger alguém que se comprometa a apoiar a Lava Jato. Assim como nas manobras presidenciais a tendência é procurar um nome que enfrente a polícia e a Justiça. É compreensível que atuem assim. Os presos querem fugir da cadeia, os investigados querem escapar das suspeitas. Mas é uma reação de desespero.
Os danos políticos sobre o sistema político-partidário são indeléveis. O destino legal de cada investigado leva mais tempo para se definir.
As eleições de 2018 podem se tornar uma hecatombe para todos. Há um caso da eleição de 1973 na Dinamarca, que derrotou os principais partidos e abriu caminho para novas forças. Ficou célebre.
Quando escrevo isto, imediatamente me vem à cabeça: o Brasil não é a Dinamarca. Mas os fatos que o País acompanha desde o governo petista são estarrecedores. Não creio que exista nada parecido no mundo.
Nas ruas ouço muito a expressão “não temos para onde correr”. Mas, quem sabe, essa situação se altera, gente da própria sociedade dá um passo adiante e enfrenta a tarefa? No momento, todos têm medo de se confundir com os políticos. Se conseguirem se distanciar deles, talvez o fardo seja menor.
Uma coisa é certa: presidentes e políticos jogam sempre com a possibilidade de deter investigações, trocar delegados, intimidar procuradores.
Não estão conseguindo. Sua escolha é um equívoco. Não percebem que a luta contra a Justiça piora sua situação política. Supõem que, abafando agora, todos se esquecerão num futuro próximo e o tradicional processo de acusações recíprocas nas eleições acabará funcionando como um escudo.
Por isso a sucessão de Temer será um momento decisivo. O Congresso pode querer utilizá-la para entrar em guerra com a Lava Jato e a maioria da sociedade que apoia as investigações. Nesse caso, a instabilidade apenas prosseguirá e não é totalmente descartável que mais um presidente caia antes de 2018.
Lembro-me dos asilados bolivianos na Europa. Eles voltavam para viver um novo governo na Bolívia, mas não jogavam fora o cartão mensal do metrô europeu. Era sempre possível voltar antes do fim do mês.
O cinismo de grande parte dos políticos, sua insistência em impedir que o Brasil faça justiça a quem o lesou são fatores muito delicados. Eles estão muito próximos de um diagnóstico de internação compulsória. Não só representam um perigo para a sociedade, como sua miopia implica também um perigo para a própria vida, em caso de revolta popular.
Lembro-me de um western em que um mexicano pendurava um americano numa corda, apontava a arma para ele e dizia: “Gringo, vou ter de matá-lo para mostrar que gosto de você”. Aqui, vamos precisar interná-los para proteger sua vida.
Eles não andam na rua, não sentem o pulso das mudanças que acontecem no espírito dos brasileiros. Acham que, desmantelando a PF, contratando bons marqueteiros para contar sua história, tudo recomeçará como antes. São ilusões perigosas, devastadoras.
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