terça-feira, 24 de março de 2015

O jeito cangaceiro de ser


O jornalista Hélio Fernandes, que dirigiu o combativo jornal “Tribuna da Imprensa”, destacou-se com seu texto corajoso e de permanente oposição aos regimes militares. Foi o jornalista mais vezes preso e exilado, teve a sede de seu jornal empastelada, sofreu ameaças, mas nunca se intimidou ou se calou. Paralelo à sua determinação com foco na crítica à ditadura, ele era também um olho vigilante da postura de políticos, parlamentares e executivos. Certa vez escreveu uma crônica dizendo que metade da Câmara Municipal do Rio de Janeiro era de ladrões. Interpelado judicialmente pela Casa, foi obrigado a retratar-se em artigo no mesmo jornal, com espaço e destaque iguais àquele entendido como ofensivo aos nobres edis. Respondeu na “Tribuna”: “esclarecendo a opinião desse articulista e cumprindo determinação judicial, como o fim de retratar-me, afirmo que metade da Câmara Municipal do Rio de Janeiro não é de ladrões”. Não desdisse, mas a edilidade deu-se por satisfeita e encerrou-se o assunto.

Na semana passada, teve fim a rápida e desastrada passagem do ministro Cid Gomes pelo ministério de Dilma. A família Gomes, exitosa nas urnas para o comando do Ceará, não é um primor nas ideias e muito menos na forma de expressá-las. Lembram um estilo cangaceiro de relacionarem-se. Ciro, seu padrinho e irmão, também ferrenho defensor da polêmica obra de transposição das águas do Rio São Francisco para irrigar o Nordeste, traz na sua biografia marcas notáveis. Uma delas, quando perguntado se a atriz Patrícia Pilar teria sido ouvida na concepção do programa de governo com o qual pretendia chegar à Presidência da República, retrucou: “ela apenas dorme comigo”. Uma pérola, um doce de companheiro. Colheu nas urnas a admiração das eleitoras.

O nefasto episódio que motivou a demissão de Cid foi a expressão de que o Congresso brasileiro tinha em sua composição mais de quatrocentos achacadores. Foi o bastante para que o presidente da Câmara, o deputado Eduardo Cunha, longe, longe, quilometricamente distante, da figura a quem se poderia atribuir tal pecha, tal vício ou imperfeição de caráter, comemorasse a deposição de Cid. Bem feito para o ex-ministro, que falou demais.

Não falou todavia que o governo a quem servia como Ministro da Educação, numa Pátria Educadora, mas com verbas contingenciadas, tem 39 ministérios, 128 autarquias e 140 empresas estatais, para abrigar apadrinhados, acolher conchavos e calar eventuais opositores. Não falou Cid Gomes que os encargos (juros) de sustentação da dívida pública, exorbitantemente cobrados pelos bancos ao tesouro representam em um mês apenas tudo que o orçamento nacional destina aos programas sociais. Não falou que o Congresso está sentado em cima da agenda de reformas que poderiam mudar nossa história política, econômica e social. Exemplos a que poderia alterar a lastimável composição da Câmara e do Senado, de improdutiva realidade, ambos. A reforma que reduziria em número expressivo esse debochado estoque de partidos, muitos deles instituições criadas unicamente para preencher cargos de confiança e conseguir favores.

Na folha de pagamentos da União, há 114 mil cargos de confiança. A reforma fiscal, que reduziria impostos que hoje são desperdiçados pela ineficiência do poder público e a corrupção. A reforma trabalhista, necessária para proteger o trabalhador e seu trabalho e não ser o incentivo a que hoje assistimos de uma juventude que busca emprego sem compromisso, como se fosse possível alargarmos o contingente dos que pagam para que outros, muitas vezes com condições, não produzam nem sequer o próprio sustento.

O Brasil é muito viável. Temos que acreditar nisso todos os dias. E trabalhar para tal, cobrar, brigar e indignar-se. 

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