Neste sentido, Sartre, na peça “Entre quatro paredes” disse, em cinco palavras, “o inferno são os outros”, a síntese do existencialismo. Esta aparente simplicidade decorre de uma complexa construção segundo a qual “a existência precede a essência”: significa primeiro existir para criar a essência; uma vez criada e visível, a existência tende a não se enxergar ou ouvir. Tudo o que não queremos ouvir é que o inferno somos nós mesmos.
Na dimensão política, “as verdades” são idealizadas, os debates derivam para a aniquilação dialética do outro e, no limite, quando a política é vencida pela força, o outro é simplesmente eliminado.
O Brasil é um caso para estudo permanente. Desafia os abismos e flerta, de vez em quando, com uma prosperidade sistêmica que alia democracia política, livre iniciativa, carecendo, porém, de equidade, mais ética e educação de qualidade. Já ouvi, em várias momentos, e de pessoas de saberes incontestes: “o Brasil é o país das oportunidades perdidas”.
Neste ponto, não falta a retórica na busca de responsáveis e culpados pelo atraso. Vai dos colonizadores mercantilistas à perversidade do capitalismo global ou, quem sabe, uma conspiração virótica sino-comunista?
Antecede uma pergunta desafiadora da sociologia de botequim: quem e como somos nós? A rigor, pelo menos quatro “ismos” estão presente no nosso DNA social com intensidade variável.
Primeiro “ismo”: o autoritarismo. Vem de longe, da base social escravocrata, à família patriarcal e à autoridade que pensa, diz e pratica: “manda quem pode, obedece que tem juízo” ou “sabe com quem está falando?”.
Segundo “ismo”: o estatismo. O brasileiro é viciado em Estado. O “empreendimento” colonizador foi uma iniciativa estatal: nobres cortesãos, militares e padres. Com ordenações criando regras e privilégios estatais antes que a nação nascesse.
Terceiro “ismo”: o patrimonialismo. A fonte do clientelismo e da corrupção. Resulta da promiscuidade entre a coisa pública e a esfera privada. Cria o capitalismo de compadrio.
Quarto “ismo”: o populismo. Praga que agrava o esgarçamento da democracia liberal. Já experimentamos todos os tipos. De charmosos a loucos. Devastam instituições e explodem o tesouro.
Não há conspiração. Nós somos responsáveis pelo atraso. Seria razoável afirmar que o Presidente da República é uma assustadora caricatura dos nossos defeitos. Não é só isso. Vai muito além.
O vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril que veio a público em 22 de maio não é apenas peça probatória de um processo judicial: é um documento histórico que atesta a insanidade e a estupidez de um governante que põe em risco a estabilidade institucional do País.
O que há de mais evidente e chocante é a falta de decoro pessoal e de respeito político às instituições republicanas de membros do governo, traduzidos numa linguagem incompatível de quem deve dar aos governados o exemplo de civilidade.
Apesar dos defeitos formadores da sociedade brasileira a que me referi, linhas atrás, há contrapartidas de comprovadas virtudes, entre as quais, a rejeição ao autoritarismo, avanço demonstrado na penosa construção e sólido apego à democracia esculpida pela Constituição Federal de 1988.
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