terça-feira, 13 de setembro de 2022

Um país diante de tempos conturbados

Por volta do meio-dia, Claudio A. partiu com sua família para defender a pátria. "Contra a corrupção, a ideologia de gênero e comunismo." O advogado de 38 anos, que não quer que seu nome completo seja publicado, é do bairro de classe média da Glória, no Rio de Janeiro. Ele foi com a esposa e dois filhos para Copacabana.

Na quarta-feira passada, houve ali um evento de celebração do bicentenário da Independência do Brasil. Como o país se encontra em plena campanha eleitoral, Jair Bolsonaro anunciou sua participação no ato, e consequentemente milhares de fãs do presidente partiram para o bairro à beira-mar – entre eles a família de Claudio.

A família A. se espreme no metrô em meio a uma multidão bolsonarista. As camisetas dos bolsonaristas são estampadas com slogans como "Meu partido é o Brasil" ou "Sou soldado a serviço do Brasil". Na hora de descer em Copacabana, a família de Claudio se perde na multidão, mas no metrô o pai ainda disse acreditar fortemente que o povo apoia Bolsonaro. "Ele vai ganhar as eleições." E passageiros gritaram em coro: "Mito, mito, mito". Soava como uma ameaça.


Copacabana está cheia de bolsonaristas. O movimento de ultradireita conseguiu sequestrar mais um símbolo nacional: o Dia da Independência. E o estragou para o resto do país. De carros de som ao longo da praia, candidatos ultradireitistas gritam: "Sou a favor da liberação da posse de armas". Outros discursantes exigem a destituição imediata do Supremo Tribunal Federal (STF). Faixas pedem um golpe militar para que Bolsonaro possa governar sem interferências. Num cartaz enorme, há uma foto da jornalista Vera Magalhães e a frase: "Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro".

Sabiamente, aqueles que consideram isso tudo repugnante se mantiveram longe de Copacabana. Somente em uma varanda foi pendurada uma toalha vermelha com o rosto de Lula, que é encarada com olhares cheios de ódio. Então gritos são direcionados à toalha: "Lula ladrão, seu lugar é na prisão!"

Quando Bolsonaro chega e discursa de um trio elétrico, o mais notável é que ele não diz nenhuma palavra sobre os 200 anos da Independência. Nenhuma palavra sobre a história do Brasil, sobre as dificuldades do passado que foram superadas ou sobre a longa trajetória do maior país da América Latina. Bolsonaro não diz nada conciliador ou unificador, não há nenhum gesto em direção daqueles que não o aprovam. Na memória desse Dia da Independência fica o coro do "imbrochável" entoado em Brasília, onde Bolsonaro fez um discurso parecido pela manhã.

"Sim, Bolsonaro é rude", afirma em Copacabana uma senhora loira de 55 anos. "Mas ele é verdadeiro e não é ladrão." Ela considera uma campanha da imprensa as várias suspeitas de corrupção envolvendo a família do presidente.

No auge de seu discurso, Bolsonaro xinga Lula de "quadrilheiro de nove dedos". "Esse tipo de gente tem que ser extirpado da vida pública." Bolsonaro fala numa eleição entre "o bem e o mal" e pede que a multidão esteja pronta para defender a pátria. Não são convocações para violência disfarçadas. São convocações para violência, caso ele não ganhe as eleições. Bolsonaro pressente que não haverá golpe militar quando ele perder. Por isso, agita seus apoiadores, muitos dos quais agora possuem armas. Eles devem provocar caos e violência após as eleições para que surjam as condições para Bolsonaro declarar estado de emergência.

Bolsonaro alega defender a família tradicional, Deus, a pátria e aliberdade. A senhora loira de Copacabana também acredita "fortemente" nessas palavras. Mas não acredita que as urnas eletrônicas sejam seguras. "Eu acho que pode haver manipulação para Bolsonaro não ganhar." Indícios para essas alegações, ela não tem, são apenas "um pressentimento", diz.

Depois do discurso de Bolsonaro, o evento se dispersa. Foi uma forte demonstração de poder do bolsonarismo: antidemocrática, irracional, agressiva, ameaçadora.

No mesmo dia, o deputado estadual bolsonarista Delegado Cavalcante discursou no 7 de Setembro diante de centenas de "cidadãos de bem" em Fortaleza. Ele prometeu: "Se não ganharmos nas urnas, ganharemos na bala. Na bala!" Não se engane, isso não é apenas retórica. Pensamentos se transformam em palavras, e palavras se transformam em atos. Nos seus 200 anos de Independência, o Brasil está na iminência de tempos conturbados.

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