Bolsonaro parece temer a prisão. Pastores como Silas Malafaia, a perda das celestiais isenções de impostos — na pessoa física e na jurídica. É uma boa dupla. Enquanto o primeiro libera as armas, o segundo evoca Jesus Cristo, mas escamoteia o Sexto Mandamento.
O que o pastor responderia ao axioma proposto dias atrás pelo capitão: se você (mulher) está trocando um pneu e surge um bandido, prefere ter na bolsa a (lei) Maria da Penha ou um revólver? Difícil essa?
Pergunto: assassinato sempre será pecado? Por certo, disse Jesus, que seguia a pobreza voluntária e mantinha notória indiferença pelas posses materiais. Daí que, se um despreza o Sexto Mandamento e outro (com seus pares) usufrui a riqueza (e financia trio elétrico com o troco agraciado pelas isenções), vale lembrar Marco Aurélio, o imperador romano: para ele, são os atos, e não palavras vãs, que configuram um bom ou mau homem.
Com o apreço divino de Bolsonaro pelas coisas materiais, apoiado por um discurso de incentivo ao ódio (“extirpar” a esquerda, como vociferou o capitão, não é um dos mandamentos), percebe-se outra traição por quem se diz cristão. Já no Velho Testamento se condena a violência, e o sempre citado Jesus Cristo refutava a premissa de um golpe ser retribuído com outro golpe.
As palavras e os atos de Bolsonaro, incensados por evangélicos de extrema direita, se contradizem os ensinamentos cristãos, também estão inseridos numa prática política de intimidação e assédio copiados, pela ordem, de Mussolini e Hitler. Curiosamente, ambos ditadores que contaram com a simpatia da Igreja.
Para ter certeza de que as palavras de Lev Tolstói a Mahatma Gandhi foram prenúncios de tragédias — a Igreja dos homens e seus exércitos seriam traições às palavras de Cristo, acreditava o escritor russo em carta ao hindu que libertaria a Índia do jugo britânico.
Inspirado por Tolstói, Gandhi praticaria a não resistência em favor da não violência, o pacifismo como ferramenta política contra tiranos e algozes. Como bem sabe Bolsonaro, Wittgenstein e Proust também foram bafejados pelo tolstoísmo. Vale lembrar que Tolstói acabou excomungado (!) pela Igreja Ortodoxa Russa em 1905, por causa de seu livro “Ressurreição” e pelas críticas ao belicismo do czar Nicolau II, além de sua pregação contra o Estado. Ao contrário dos pastores bolsonaristas, abriu mão de suas posses (amplas fazendas e direitos autorais de seus livros).
É o oposto do que se vê na troca de apoio entre o capitão e seus apoiadores evangélicos. Enquanto o mandatário mente, os religiosos forjam ensinamentos bíblicos em benefício próprio para uma plateia assustada pela miséria e ignorância.
Sem perceber, com a pantomima ou palhaçada no 7 de Setembro, os bolsonaristas reviveram o dia em que Mussolini recebeu Hitler em Roma, em 1938. A multidão acorreu com bandeiras fascistas em saudação ao desfile dos dois ditadores. Ali se ouviram gritos de “Deus, pátria e família”. As amantes de Mussolini não foram convidadas para a festa.
O clima de apoiadores com a bandeira brasileira às costas, nas ruas de São Paulo e Rio, pareceu sair do filme “Um dia muito especial”, de Ettore Scola, que retrata a visita.
A obra mostra uma Roma quase vazia e fanatizada, ora com seus cidadãos trancados em casa, receosos da violência da turba fascista, ora em disparada para o desfile. É quando, naquele ar nebuloso, retorna ao conjunto de apartamentos o professor vivido por Marcello Mastroianni e se encontra com a dona de casa interpretada por Sophia Loren. Ele é um homossexual discreto, e ela uma mulher sexualmente frustrada, casada com um membro fanático das forças de Mussolini.
Ela não foi ao desfile porque não simpatiza com as ideias do ditador, tampouco com os métodos de suas milícias que correm as periferias e matam a pauladas ou tiros seus adversários de esquerda (lembre: “extirpar a esquerda do Brasil”). O professor também se mantém longe da parada militar porque os fascistas e os nazistas já começavam a matar homossexuais.
Foi o que ocorreu no 7 de Setembro. Como na Roma fascista, um palanque cheio de militares ao lado de tipos investigados pela Justiça. Enquanto na imensa maioria das casas brasileiras se encontrava uma população que optou pelo pacifismo e pela não violência como forma de denunciar sua ojeriza aos incréus que cobram dízimos ou rachadinhas. Como o diabo gosta.
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