quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Notícias, notícias, notícias

Notícias matutinas, s.d. Jack Vettriano (Escócia, 1951) óleo sobre tela www.jackvettriano.com:
Houve um tempo, e eu sou testemunha ocular disso, em que as notícias circulavam de manhã e à tarde, e essas duas doses diárias bastavam para manter qualquer cidadão bem informado. A manchete do dia, que não raro era a mesma em toda a imprensa — exceção feita aos jornais populares, que viviam de crimes —, era suficiente para alimentar 24 horas de conversas. E nem era preciso comprar os jornais para acompanhá-las: eles ficavam pendurados nas laterais das bancas, presos por pregadores de roupa de madeira, e atraíam os transeuntes, que paravam para se atualizar antes de entrar no trabalho, ou numa folga na hora do almoço.

Quando uma notícia era particularmente bombástica, o número de leitores aumentava, e formavam-se pequenos amontoados ao lado das bancas — que, por sinal, eram minúsculas, e vendiam pouca coisa além de jornais, revistas e figurinhas, em geral só mesmo fichas de telefone. A cena rendia ótimas fotos, que depois eram utilizadas para mostrar como os acontecimentos mobilizavam as pessoas.

O mundo era pequeno. Ninguém se interessava por escândalos na Coreia do Sul, implosões de edifícios na China ou assassinatos na Islândia. Por incrível que pareça, era perfeitamente possível sobreviver sem saber, em tempo real, que um filhote de tamanduá foi adotado por cães na Namíbia, ou que um crocodilo invadiu o carro de turistas na Flórida. Ninguém se achava mal informado ao descobrir, com um mês de atraso, que uma cadelinha sobreviveu na Escócia depois de engolir uma faca de cozinha. Era possível ter paz e trancar o mundo do lado de fora pelo espaço da noite que separava um dia do outro, e uma edição do jornal da edição do dia seguinte.

Tenho saudades daqueles tempos. Hoje estamos nos afogando em notícias e não notícias. Não conseguimos mais nos afastar dos nossos celulares, que funcionam como agências noticiosas em tempo integral. O jornal virou um camaleão digital, que muda de acordo com os últimos acontecimentos, ainda que a sua versão impressa continue sendo a melhor companhia no café da manhã. Não sei se isso está nos tornando melhores ou piores, mas tenho certeza de que estamos todos infinitamente mais estressados, assim como tenho certeza de que esse é um caminho sem volta. Não há mais para onde correr — e, ainda que houvesse, não correríamos. Viramos todos news junkies, viciados em notícias.

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Como todo mundo, eu também ando sofrendo de overdose. Tentei fugir para o sítio no feriado, mas o noticiário fugiu junto. Há coisas que nem em estado de meditação profunda se conseguem ignorar. Saí do Rio na quinta sabendo que um pequeno avião havia se acidentado em Paraty. No meio do caminho, fui alcançada pela notícia de que o ministro Teori Zavascki estava entre os passageiros, e subi a serra tecendo teorias da conspiração com a minha irmã, a minha Mãe e a amiga que nos acompanhava. Na sexta Trump tomou posse e fez a sua versão ianque do Deutschland über alles; no sábado o mulherio saiu às ruas em massa para protestar contra ele. No domingo a sensação térmica foi de 43 graus. Na quinta, na sexta, no sábado, no domingo, na segunda, na terça, na quarta e provavelmente hoje ainda, e quem sabe amanhã e depois, a internet quebrou com a atitude intempestiva e autoritária do Doria, que mandou apagar os grafites da 23 de Maio. Saí para dar uma volta com os cachorros da casa e os invejei, tão inocentes, ignorantes da velocidade com que a terra gira.
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Depois de alguns anos de relativa tranquilidade e bom convívio com os gatos e seus protetores — era um alento ver as plaquinhas do estacionamento alertando os motoristas para a presença dos bichanos —, a administração do Jockey Club declarou guerra, mais uma vez, aos pequenos felinos que vivem lá. Voluntários que cuidam dos animais há décadas foram proibidos de alimentá-los e medicá-los; vários já desapareceram.

Com isso o JCB vai — de novo! — na contramão de tudo o que já se sabe hoje sobre colônias de gatos. Em vez de ouvir os protetores, que conhecem os animais um por um, e de trabalhar junto com eles para encontrar soluções, o clube os hostiliza abertamente. Potes de água e de comida têm sido recolhidos pelos guardas, em “combate às pragas”.

As desculpas e o modus operandi são os mesmos há pelo menos 30 anos, que é o tempo em que acompanho essa saga, mas agora o clube tem um “programa de assistência” herdado da administração anterior para camuflar os maus-tratos. Há uma narrativa fofa para o público externo, segundo a qual os gatos serão transferidos para “um lugar mais bem estruturado”, e uma realidade cruel no cotidiano. Gatos são territoriais, não mudam de hábitos porque uma autoridade decidiu que eles devem mudar.

É triste ver tanta falta de diálogo. Sei que protetores são frequentemente radicais, mas, ao longo dos anos, descobri que esse radicalismo é, na maior parte das vezes, um contraponto à intransigência e à ignorância que encontram na sua missão. As administrações do Jockey vêm e vão, mas os voluntários estão sempre lá, chova ou faça sol, batalhando pelos animais — e não fazendo deles o seu ganha-pão.

Cora Rónai

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