Quem tem o poder de fabricar o discurso corrente pensa mais ou menos assim: há os que produzem riqueza, criam empregos, fazem crescer a economia; e há os que não. Quando o Estado carrega parte dessa riqueza dos seus donos para quem não a produziu, comete um roubo. Os produtores são defraudados. E o Estado sabe disso. Em lugar de estimular o crescimento da economia para gerar empregos faz demagogia populista. Compra com isso a gratidão do povo. E se elege enquanto a farsa durar. Fragilidades desse raciocínio: a distribuição de renda pelo Estado não é feita para os que, crescendo a economia, seriam empregados. É feita para os não empregáveis, os das margens. Dito com as palavras certas: os pobres mesmo, os que não serão incluídos quando a economia crescer. A economia globalizada de dominância financeira não é feita para eles. É feita para o “mercado”.
Consta de ações desvinculadas da produção real. De especulação com indicadores financeiros que são números de números, não coisas. E de “sinais”. É preciso “enviar sinais para o mercado”. Para que ele se acalme. Sinais ao mercado são em geral capitulações de boas políticas sociais, que custam dinheiro. Por exemplo, um ajuste fiscal que não leva em conta as diferenças sociais, uma reforma da previdência que desconsidera o fato de que há regiões do país em que a expectativa média de vida não é de 73 anos, e um aposentado aos 65 usufruirá seu descanso por apenas alguns meses. O mercado se acalma, as expectativas se alinham para cima. Vivemos hoje mais de expectativas do que de realidades. Congelam-se as despesas do Estado por 20 anos. — Pensam: boa expectativa! — Mas com isso também se frigorificam os investimentos em educação e saúde. — Como assim?, reagem os congeladores. O mínimo constitucional está garantido para a saúde e a educação! — Pois é, o mínimo. E se em 20 anos houver aumento de receita do Estado, o mínimo continua como referência, e o excedente, que devia irrigar o que há de mais importante para um país, vai para outros lugares, não congelados. Os juros da dívida não estão congelados. A dívida cresce sem parar, os juros, altos, também. Paguem-se os juros da dívida. — Bom sinal! O mercado fica feliz. A economia se alegra. A educação continua ruim, a saúde segue doente. E os pobres, pobres. Porque o Estado congelou despesas que só dão despesa.
A base dessa visão é o direito de propriedade. Direito muito justamente garantido pela Constituição. A dívida é propriedade de alguém, que precisa ser remunerado. De fato, deve. Mas, se o devedor é o Estado e os juros são pagos com o congelamento da saúde e da educação e rédea curta nos programas sociais, quem paga é o povo. O povo pobre paga mais, paga com um futuro que deixará de ter. Também está inscrito na Constituição o princípio dos limites sociais da propriedade. Mas isso, desdenham os donos do mercado e da dívida, é excrescência de uma Constituição capenga. Direito à propriedade e limitação desse direito são uma contradição que precisa ser eliminada. Os donos do mercado e da dívida trabalham nisso, devagar, pelas beiradas do mingau.
E tem mais, dizem: as políticas sociais de esquerda são autoritárias, precisam de um Estado inchado, que custa os tubos ao contribuinte, o povo. São, portanto, na verdade, antipopulares, porque oneram injustamente a sociedade. E por que são autoritárias essas políticas? Porque — resposta pronta — a esquerda não ama a democracia. Usa-a. Assim que puder, joga-a fora. A democracia “formal”. “Burguesa.” A que pode ser um estorvo para as “aventuras populistas”. — Infelizmente, ainda há mesmo uma esquerda que não tem grande apreço à democracia. Amar a democracia exige aceitar perder, corretamente, no voto. Nada demais. Há uma esquerda que não sabe perder (no voto). E com essa atitude legitima a dicotomia entre a liberdade democrática e o projeto de igualdade social.
Precisamos olhar para essa esquerda. Ela, essa, específica, é parte do problema. Não é parte da solução. E Deus sabe que uma solução precisa vir. Já ninguém aguenta mais. — No próximo sábado, sem falta.
A base dessa visão é o direito de propriedade. Direito muito justamente garantido pela Constituição. A dívida é propriedade de alguém, que precisa ser remunerado. De fato, deve. Mas, se o devedor é o Estado e os juros são pagos com o congelamento da saúde e da educação e rédea curta nos programas sociais, quem paga é o povo. O povo pobre paga mais, paga com um futuro que deixará de ter. Também está inscrito na Constituição o princípio dos limites sociais da propriedade. Mas isso, desdenham os donos do mercado e da dívida, é excrescência de uma Constituição capenga. Direito à propriedade e limitação desse direito são uma contradição que precisa ser eliminada. Os donos do mercado e da dívida trabalham nisso, devagar, pelas beiradas do mingau.
E tem mais, dizem: as políticas sociais de esquerda são autoritárias, precisam de um Estado inchado, que custa os tubos ao contribuinte, o povo. São, portanto, na verdade, antipopulares, porque oneram injustamente a sociedade. E por que são autoritárias essas políticas? Porque — resposta pronta — a esquerda não ama a democracia. Usa-a. Assim que puder, joga-a fora. A democracia “formal”. “Burguesa.” A que pode ser um estorvo para as “aventuras populistas”. — Infelizmente, ainda há mesmo uma esquerda que não tem grande apreço à democracia. Amar a democracia exige aceitar perder, corretamente, no voto. Nada demais. Há uma esquerda que não sabe perder (no voto). E com essa atitude legitima a dicotomia entre a liberdade democrática e o projeto de igualdade social.
Precisamos olhar para essa esquerda. Ela, essa, específica, é parte do problema. Não é parte da solução. E Deus sabe que uma solução precisa vir. Já ninguém aguenta mais. — No próximo sábado, sem falta.
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