quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Incêndio do Museu Nacional foi um crime

Os 20 milhões de itens expostos ao público, objetos de pesquisa e testemunhas à mão da memória e da História do Brasil ainda ardiam no incêndio que devastou o Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, por não haver água nos hidrantes do prédio, e vários oportunistas já vinham à tona para se aproveitarem da tragédia.

O esqueleto de Luzia, a mulher mais antiga do continente, resistente a 12 mil anos de intempéries, era apenas uma imagem virtual quando os repórteres dos telejornais, enfrentando a desinformação absoluta com a necessidade de falar alguma coisa, noticiaram que a polícia terá de descobrir e revelar se o incêndio foi acidental ou criminoso. Truísmo é pouco para definir essa platitude. Minhas senhoras, meus senhores, o que se assistiu na noite de domingo passado foi ao assassinato sem piedade de milhares de anos da História do País e da humanidade pelas castas que dilapidam há séculos o patrimônio público. A documentação do registro da passagem do mamífero bípede, impropriamente definido como racional, e da identidade nacional de uma pretensa civilização, instalada nestes tristes trópicos em substituição à barbárie dos silvícolas, anterior a ela, virou cinzas molhadas pelos jatos impotentes de uma (!) escada de bombeiros jorrando água suficiente para apagar uma fogueira junina, se muito.

A primeira instituição científica nacional, fundada há 200 anos por dom João VI, o rei fujão de Portugal, sucumbiu a descaso, insensibilidade, estupidez, incompetência, desídia e rapina de sórdidas castas elitistas de políticos ambiciosos, gestores públicos irresponsáveis e intelectuais militantes.


Os acadêmicos José Sarney e Fernando Henrique, o breve Itamar Franco, os populistas Lula da Silva e Dilma Rousseff e os oportunistas Fernando Collor e Michel Temer não deram a museu algum um segundo de atenção, só usada para ludibriar eleitores e comprar congressistas para se reeleger ou escapar de impeachment, fugir de inquéritos ou prorrogar prerrogativa de foro.

Ora, direis, museu não dá voto. Aliás, é difícil encontrar algo de interesse público que dê votos a quem os disputa na arena cada vez menos ética da política brasileira. Votos se vendem e se compram com vil metal, empregos privilegiados na estroina e corrompida máquina pública nacional e também ideologias generosas somente na aparência. A gestão do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, por exemplo, cabe à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), cuja administração é compartilhada por partidos da extrema esquerda sem representatividade popular, PSOL e PCdoB, em aliança com representantes da elite partidária que dá as cartas na República, embora se denomine como “dos Trabalhadores”.

A cúpula dos três Poderes, a intelligentsia acadêmica e, pasme, os responsáveis diretos pela indigência da instituição que ardeu choram e se lamuriam pelo destino dela, como gângsteres que levam flores ao velório das vítimas de sua brutalidade. O presidente Temer divulgou nota oficial quando ainda faltava água para apagar o fogo: “Incalculável para o Brasil a perda do acervo do Museu Nacional. Hoje é um dia trágico para a museologia de nosso país. Foram perdidos duzentos anos de trabalho, pesquisa e conhecimento. O valor para nossa história não se pode mensurar, pelos danos ao prédio que abrigou a família real durante o Império. É um dia triste para todos brasileiros”.

O ministro da Cultura, Sérgio de Sá Leitão, disse que “certamente a tragédia poderia ter sido evitada”, numa tentativa absurda de transferir apenas para os governos anteriores as causas do desastre, que, segundo Walter Neves, antropólogo que pesquisava o esqueleto de Luzia, foi “anunciado”. A culpa não é apenas do governo atual, é claro, mas é principalmente deste. Leitão age como um sujeito que cai do décimo andar, sai caminhando e pergunta aos transeuntes o que aconteceu. E ninguém foi demitido!

É inútil querer que os incendiários da Quinta da Boa Vista respondam pela omissão do Estado, que se negou a gastar caraminguás para dotar o mais antigo museu nacional de chuveirinhos automáticos e extintores de incêndio que a lei exige de qualquer boteco da periferia. Mas, já que não se dispuseram a abrir mão dos bilhões do Fundo Partidário para salvar o museu extinto, que nos poupem de sua hipocrisia. E sendo inútil exigir que façam algo para a tragédia não se repetir no Arquivo Nacional e na Biblioteca Nacional, podiam fazer o que sempre fizeram: esquecer o tema. E nada de reconstruir o prédio para as gerações futuras se esquecerem de sua participação no crime.

Os candidatos ao posto mais elevado, cujos currículos frustram os cidadãos carentes de um presidente que evite que a economia arda, sabotada pela corrupção do PT, de seus aliados, entre os quais o MDB, e dos falsos oponentes do PSDB, reduziriam o teor de cinismo de suas campanhas se não chorassem sobre a aguinha que não evitou que o incêndio se alastrasse.

A Universidade de São Paulo (USP) e o ex-governador do Estado Geraldo Alckmin devem explicações sobre o cupim que ameaça a integridade das paredes do Museu do Ipiranga, fechado à visitação desde 2015 e com obras a serem iniciadas no ano que vem. Ou quando, enfim, não chegarem as calendas gregas. Fernando Haddad, o estepe de Lula, não terá como explicar seu silêncio no governo do patrono, quando foi ministro de Educação, sobre a ominosa situação em que a memória nacional embolora, apodrece e arde, enquanto os chefões partidários enriquecem ilicitamente. Nenhum dos dois projetos assinados por Jair Bolsonaro e aprovados em seus 27 anos na Câmara diz respeito a esse assunto. A militância ecológica de Marina Silva não inclui uma denúncia da penúria dos museus, tema também excluído da enxúndia demagógica de Ciro Gomes.

Só restará como testemunho da inépcia deles Bendegó, meteorito que caiu perto de Canudos e resistiu ao fogo feroz.

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