O brasileiro não gosta do que não entende. E a decisão de Fachin é 100% feita de contradição. O resgate de Lula grudou no Supremo a aparência de uma Corte autossuficiente. Ela mesma deu mão forte a Curitiba para julgar Lula, ela mesma autorizou a prisão de Lula, ela mesma revogou a regra que mantivera Lula em cana por um ano e sete meses... Agora, a mesma Suprema Corte retira o aval que concedera a Curitiba para virar Lula do avesso. Anula as sentenças. Entre elas a do tríplex do Guarujá, reafirmada em três instâncias do Judiciário.
Todo esse vaivém pode ser resumido em duas palavras: insegurança jurídica. Anuladas as sentenças, os processos contra Lula voltam à primeira instância, dessa vez na Justiça Federal de Brasília. Alega-se que as condenações de Curitiba podem ser reafirmadas. Lorota. Serão sepultadas. Se não morrerem a golpes de caneta de um juiz de primeiro grau, fenecerão pela prescrição dos crimes atribuídos a Lula: corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O mais inusitado é que coube justamente a Fachin, principal defensor da Lava Jato na Suprema Corte, jogar terra em cima do buraco em que operação se meteu. Alega-se nos subterrâneos que o ministro quis evitar o mal maior: a reabilitação eleitoral de Lula por meio de um veredicto em que a Segunda Turma do Supremo grudaria na testa de Sergio Moro a pecha de juiz parcial. Algo que, na visão de Fachin, empurraria para cima do telhado uma penca de sentenças da Lava Jato.
A manobra pode ter vida curta. Fachin anotou em seu despacho que a anulação da sentença sobre o tríplex do Guarujá torna desnecessário o julgamento do pedido de suspeição de Moro, escorado nas mensagens tóxicas que o ex-juiz trocou com procuradores. O problema é que Gilmar Mendes, responsável por levar a encrenca à pauta da Segunda Turma do Supremo, não parece disposto a abrir mão de esfolar a reputação do ex-juiz da Lava Jato.
Gilmar conta com os votos do lulista Ricardo Lewandowski e do bolsonarista Nunes Marques para formar uma maioria de 3 a 2 contra Moro. Além de reacender a polarização que deve resultar num embate de Lula com Bolsonaro em 2022, a decisão enfraqueceria a articulação para colocar a candidatura de Moro entre os dois.
Nessa hipótese, Fachin terá poupado o trabalho dos advogados de Lula. A defesa nem precisará pedir que a anulação referente ao tríplex seja estendida ao caso do sítio de Atibaia. A menos que o plenário do Supremo reveja a decisão de Fachin, o que parece improvável, Lula vai a 2022 com pose de inocente. Trata-se de uma inocência de fancaria, pois a anulação das sentenças não cancelou as provas.
Fachin rememorou os dados que demonstram que as empreiteiras OAS e Odebrecht financiaram os confortos de Lula em troca de contratos fraudulentos firmados com o Estado. Deve-se a anulação das sentenças à alegação de que tais contratos não foram firmados apenas com a Petrobras, o que retiraria de Curitiba a primazia para julgar os processos.
No alvorecer da Lava Jato, Sergio Moro arrastou para Curitiba a apuração de crimes praticados nos mais variados escaninhos do Estado, desde que tivessem um liame qualquer com a Petrobras. O Supremo avalizou esse entendimento, empurrando para o colo de Moro gente graúda como o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e o próprio Lula. Os réus reclamavam da vala comum de Curitiba há pelo menos cinco anos.
Aos pouquinhos, o Supremo foi fatiando os processos, distribuindo-os por diferentes praças. Fachin acabou se transformando na Segunda Turma numa espécie voto vencido perpétuo.
Ironicamente, Fachin lembrou no despacho sobre Lula que Gilmar Mendes já esteve do seu lado. Reproduziu manifestação em que Gilmar votou contra o esvaziamento da Vara que Moro comandava. "No fundo, o que se espera é que processos saiam de Curitiba e não tenham a devida sequência em outros lugares. É essa a expectativa", escreveu esse Gilmar de outrora.
No processo autodestrutivo a que se dedica o Supremo, a reabilitação política de Lula é o penúltimo prego num caixão que vem sendo confeccionado há tempos. A decisão de Fachin chega nas pegadas do sepultamento das denúncias contra os quadrilhões do MDB de Renan Calheiros e Cia. e do PP de Arthur Lira e Cia.
"A Justiça, além de imparcial, precisa ser apartidária", escreveu Edson Fachin, como se desejasse realçar que já não fazia sentido manter apenas Lula na fogueira. Engano. Ao retirar das labaredas símbolo mais vistoso do esforço anticorrupção, Fachin apressou a conversão da manobra de reabilitação de Lula num processo de carbonização do Supremo Tribunal Federal.
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