Na economia nada há de mais obsoleto do que isso que nos assombrou na segunda metade dos anos 1980, a tentativa de controle de preços e a acusação a supermercados. Depois de várias tentativas que sempre deram errado, o Plano Real escolheu um outro caminho, novo e elegante, que enfim derrotou a hiperinflação no Brasil. Houve derrapagens no meio do caminho, como o congelamento da gasolina no governo Dilma e a intervenção na energia. Deu errado. Na sucessão de retrocessos que nos atinge no governo Bolsonaro, só faltava mesmo essa, o Ministério da Justiça dar prazo para supermercado explicar o preço do arroz porque o presidente da República reclamou. Eu até lembraria que o ministro da Economia é liberal, mas isso nem importa a esta altura. Não se trata de incoerência em relação a uma escola econômica. É uma questão de bom senso e saber — palidamente que seja — a história do Brasil.
Então vamos lá voltar à quadra um, porque o terraplanismo atacou agora a economia. Três fatores elevaram os preços dos alimentos: entressafra, auxílio emergencial e exportações puxadas pelo dólar alto e pela demanda chinesa. A execução do benefício teve muitos defeitos, mas quando chegou aos mais pobres fez uma enorme diferença. Imagine uma mulher chefe de família que recebia R$ 190 de Bolsa Família e que de repente recebeu do governo R$ 600 ou até R$ 1.200. O efeito multiplicador foi forte, como expliquei ontem aqui, fenômeno que ouvi bem explicado dentro do próprio governo. Isso é bom, porque atenuou a recessão, mas por outro lado pressionou a demanda de alguns produtos. Alimentos e material de construção.
Esse fenômeno é temporário porque nos últimos quatro meses do ano o valor do benefício vai cair. Mesmo assim, a inflação de alimentos em domicílio, que subiu 11,39% em 12 meses, deve continuar pressionada. E alimentos têm mesmo oscilações fortes. A cebola, que subiu 81% nos primeiros sete meses do ano, no oitavo mês caiu 17,81%. Contudo, o índice geral do IPCA continua baixo, chegou a 0,70% o ano. Menos de 1%.
Nesse índice de agosto, a educação foi a âncora, explica o professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio. Houve a concessão de descontos pelas escolas, e o item caiu 3,47%. Se tivesse sido zero, calcula Cunha, a inflação do mês seria de 0,45%, em vez de 0,24%. Os preços continuarão oscilando naturalmente. Não há uma conspiração entre donos de supermercados e arrozeiros. Reduzir a tarifa é uma boa ideia, até porque as barreiras são tão altas que deveriam ter sido reduzidas há mais tempo.
No segundo semestre a sazonalidade da carne é de alta, e além disso está acontecendo com esse e outros produtos uma demanda externa maior, com preço competitivo por causa do dólar alto. Isso torna mais caro o importado. Houve uma queda de 42% na importação de trigo, os preços da farinha até subiram 12%, mas macarrão está com alta zero de preço. Deve ser isso que fez o presidente da associação de supermercados, ao sair da reunião com o presidente Bolsonaro, parafrasear Maria Antonieta. Em vez de “dê-lhes brioches” sugeriu que as pessoas trocassem o arroz por macarrão.
Meses atrás houve quem dissesse que o presidente do Banco Central teria que escrever uma carta para explicar por que não atingiu a meta de inflação. Não por ficar acima, mas porque o risco era de ficar abaixo do piso da meta. Agora o que está acontecendo é uma alta localizada de preços, fácil de entender, e difícil de reverter artificialmente. Qualquer intervenção distorce, como os ruídos dos últimos dias: declarações, reuniões, ameaças e notificações. Quando Jair Bolsonaro dizia nada entender de economia, estava falando sério. Quando disse que entregaria tudo a Paulo Guedes, não estava falando sério.
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