Desde que o novo coronavírus foi detectado pela primeira vez no Brasil, no final de fevereiro, Bolsonaro, um ex-capitão do exército que tem adoração pelos governantes militares, fez pouco caso da doença. Menosprezando seus efeitos como “só uma gripezinha”, ele disse que era preciso "enfrentar o vírus como homem, pô, não como moleque”. E acrescentou, num tom bastante consolador: “todos nós vamos morrer um dia”. Nos quinze meses desde sua chegada à presidência, os brasileiros se acostumaram às suas bravatas de machão e à sua ignorância em questões que vão desde a preservação da floresta amazônica até educação e policiamento. Mas, desta vez, o dano é imediato e óbvio: Bolsonaro juntou a retórica truculenta à sabotagem ativa da saúde pública.
Os governadores dos estados mais importantes do Brasil tomaram a frente e impuseram isolamento social utilizando seus próprios poderes. Bolsonaro encorajou os brasileiros a ignorá-los. Homem que teme traições e sente uma perpétua necessidade de provocar, ele recebeu com abraços e selfies seguidores que faziam uma manifestação contra o Congresso, em 15 de março. O presidente também lançou uma campanha incentivando as empresas a reabrirem as portas e pediu “jejum e manifestações” nas igrejas em 5 de abril. Ele cogitou decretar, ilegalmente, o fim do isolamento. E, por duas vezes, chegou perto de demitir seu próprio ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, um médico conservador que se opôs publicamente ao clamor do presidente para afrouxar as restrições.
Ao que parece, Bolsonaro está com ciúmes da ascensão de um ministro que, segundo ele, “não tem humildade”.
Mesmo para seus próprios padrões, a recusa de Bolsonaro em cumprir seu dever primordial de proteger vidas foi longe demais. Grande parte do governo o trata como um tio inconveniente que apresenta sinais de insanidade. Os principais ministros, entre eles o grupo de generais que faz parte do gabinete, bem como os presidentes das duas casas do Congresso, deram apoio ostensivo a Mandetta, que também tem a população ao seu lado. Uma pesquisa realizada neste mês pelo Datafolha apontou que 76% dos brasileiros aprovam a maneira como o Ministério da Saúde vem combatendo o vírus. Em comparação, 33% aprovam o gerenciamento da crise por Bolsonaro.
Os clamores pela renúncia de Bolsonaro aumentaram. E não apenas na esquerda, mas também entre alguns de seus antigos aliados, como Janaina Paschoal, deputada estadual por São Paulo que Bolsonaro chegou a considerar para vice na chapa presidencial. Ela disse que o presidente era culpado de “um crime contra a saúde pública” e acrescentou: “não temos tempo para o impeachment”.
Não há dúvida de que as condutas do presidente justifiquem constitucionalmente um impeachment, destino que caiu sobre dois de seus antecessores, Fernando Collor, em 1992, e Dilma Rousseff, em 2016. Mas, por enquanto, Bolsonaro mantém apoio público suficiente para sobreviver. Se, à época, as pesquisas apontaram que a maioria era a favor da deposição de Dilma (por violar a lei de responsabilidade fiscal para ganhar a reeleição), 59% dos brasileiros disseram ao Datafolha que não querem que Bolsonaro renuncie. O índice de aprovação de Dilma girava em torno de 10%; Bolsonaro mantém o apoio de um terço dos eleitores. Poucos em Brasília acreditam que o país queira ou possa arcar com a turbulência de um impeachment enquanto se vê tomado pela covid-19.
Bolsonaro é sustentado por um pequeno círculo de fanáticos ideológicos (entre eles, três de seus filhos), pela fé de muitos evangélicos e pela falta de informações sobre a covid-19 entre os brasileiros. Os dois últimos fatores podem mudar à medida que o vírus começar a ceifar vidas nos próximos meses. Em 8 de abril, o Brasil contava 14.049 casos confirmados e 688 mortos. E pode ser que o presidente não consiga se isolar da culpa pelo impacto econômico. Por sua imprudência com a vida dos brasileiros, Bolsonaro fez com que sua própria queda entrasse na agenda política. É bem provável que ela permaneça ali mesmo depois do fim da epidemia.
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