domingo, 13 de setembro de 2015

A maldição da herança

O governo Dilma Rousseff fica cada vez mais parecido com o fim dos governos Figueiredo e Sarney. A diferença crucial é que o atual mandato da presidente está no começo. João e José saíram aos farrapos; Dilma, aos frangalhos, talvez não consiga prosseguir.

Em qualquer situação, completando o mandato ou não, deixará ao sucessor uma herança maldita. Não o legado imputado ao governo Fernando Henrique Cardoso pelo populismo oportunista de Luiz Inácio da Silva, mas um espólio objetiva e concretamente malévolo que acaba de se materializar na volta do Brasil ao clube dos países desprovidos de credibilidade internacional, arrastando junto a Petrobrás, para citar apenas a maior das várias empresas agora consideradas investimento de risco.

Por ocupar a Presidência, Dilma personifica o desastre, mas evidentemente não é a única responsável por ele. Atribuir responsabilidade só a ela significa ignorar todo o conjunto de uma obra coletiva construída com a finalidade de submeter o Brasil à dominação de um partido.

Projeto que, por força da boa saúde das instituições e do despertar (tardio) da sociedade, não deu certo, embora tenha provocado desacertos profundos e nos levado a retroceder 20 anos no processo de recuperação da credibilidade do País.

Os governos do PT puseram esse trabalho a perder. Por orientação do chefe, Luiz Inácio da Silva, uma perfeita encarnação do herói sem caráter descrito por Mário de Andrade. Quando assumiu a Presidência, Lula adotou a política econômica do antecessor. Foi, por isso, muito elogiado, saudado pela escolha do bom caminho.

Nessa visão otimista faltou, contudo, analisar o dado essencial da motivação: nada foi feito por convicção, mas pela percepção de que ou incorporava as posições do adversário ou não governaria. De onde não hesitou em incorporá-las na economia e explorá-las na política ao expropriar o patrimônio dos governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, atribuindo a si a autoria da estabilização e ao antecessor a maldição de uma herança, na realidade bendita.

Lula e o PT herdaram uma casa senão totalmente em ordem, muito bem encaminhada com os pressupostos da reorganização implantados e muitos obstáculos devidamente removidos ao custo de intensas negociações externas e internas. Aos herdeiros caberia completar o trabalho, dando prosseguimento às reformas de estrutura e usando os princípios defendidos por eles desde sempre para, com a força do apoio popular e a presença de um líder, formar maioria no Congresso mediante parâmetros programáticos.

Como nem a convicção na economia nem o princípio da ética na política eram genuínos, evidente que mais dia menos dia a casa cairia. Os escombros soterraram o PT, mas o conceito do vale-tudo, traduzido na expressão da presidente Dilma de que é legítimo fazer “o diabo” para ganhar eleições, levou o País inteiro ao inferno.


Parafraseando a cantiga infantil, a canoa virou e foi por causa dos governos que não souberam remar. Agora, nosso descendente de Macunaíma joga a sucessora ao mar jactando-se de ter solucionado uma crise econômica “cuidando dos pobres”, em mais uma demonstração do cinismo que presidiu o retrocesso ético que assola o País.

Dilma fracassou? Já havia sido um fiasco gerencial antes, nos anos 90, quando levou à falência duas lojas de produtos R$ 1,99 em Porto Alegre. Foi Lula quem garantiu que a dona dos estabelecimentos poderia governar o Brasil.

Foi ele também o avalista das alianças políticas financiadas com dinheiro público. Por essas e possíveis outras que a Polícia Federal pede agora que dê explicações à Justiça no âmbito da Operação Lava Jato.

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