quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

'Roubar é uma arte'

'Mas não roubo mais só por necessidade; é tesão, prazer mesmo'
“O Natal está aí. E quero vos dar um presente de Papai Noel, contando traços de minha vida às margens do Poder, para que entendam que a finalidade do roubo da coisa pública não é apenas a fome de grana, o amor ao tutu, ao vil metal. Não; roubar é uma aventura épica, é uma corredeira de sustos e vitórias, a delícia do risco assumido. Com essas descobertas dos chamados escândalos da Petrobras, comecei a ficar preocupado — mas meu nome ainda não foi citado. Talvez nem seja, porque o que levei foi uma mixaria diante dos milhões de dólares de gorjeta. Levei pouco, pois sou da época dos ‘dez por cento’, que durou até que o falecido Orestes Quércia lançou a máxima eterna: ‘dez por cento é para garçom’.

“Aí começou a inflação da corrupção. Sou gatuno, mas cheguei a ver com espanto propinas de US$ 40 milhões. Isso nunca houve na face da Terra; fico até humilhado com minhas modestas mãos na cumbuca — eu, que sempre assumi minha condição de corrupto ativo e passivo... (sem veadagem... claro). Não sou um ladrão de galinhas, mas já roubei galinhas do vizinho e até hoje sinto o cheiro das penosas que eu agarrava. Ha ha ha...

“Mas não roubo mais só por necessidade; é tesão, prazer mesmo. Tenho sete fazendas imaginárias, mando em cidades do Nordeste, tenho tudo, mas confesso que sou viciado na adrenalina que me arde no sangue na hora em que a mala de dólares voa em minha direção; vibro, vendo os olhos covardes do empresário, suas mãos trêmulas me passando a propina; delicio-me quando o juiz me dá ganho de causa, ostentando honestidade e finge não perceber minha piscadela marota na hora da liminar comprada (está entre US$ 50 mil e US$ 100 mil hoje). Sinto-me ‘superior’ assim. Roubar me liberta. Eu explico: roubar me tira do mundo dos ‘obedientes’ e me faz ‘excepcional’. Gosto da doce volúpia em salões de caretas — me xingam pelas costas, mas me invejam pela liberdade cínica que imaginam que tenho. Suas mulheres me olham excitadas, pensando nos brilhantes que poderiam ganhar de mim. Adoro sentir o espanto de uma prostituta quando eu lhe arrojo US$ 1 mil sobre o corpo, fazendo-a caprichar em carícias. É uma delícia rolar, nu, em cima de notas de US$ 100 na cama, sozinho, comendo chocolates do frigobar de um hotel vagabundo da cidade onde descolei a propina de um canal de esgoto superfaturado. Tenho orgulho de mim como profissional insensível até quando roubo verbas de remédios para criancinhas; domino a vergonha e transformo-a na bela frieza que constrói o grande homem. Sei muito bem os gestos rituais da malandragem brasileira: sei fazer imposturas, perfídias, sei usar falsas virtudes, ostentar dignidade em CPIs, dou beijos de Judas, levo desaforo para casa sim, sei dar abraços de tamanduá e chorar lágrimas de crocodilo...

“Eu já declarei de testa alta na Câmara: ‘Não sei nem imagino como esses milhões apareceram em minha conta na Suíça. Como? Que conta? Apesar desses extratos todos, não tenho nem nunca tive conta no exterior!’. Esse grau de mentira é tão sólido que deixa de ser mentira e vira uma arte. Vejam o exemplo do grande mestre Paulo Maluf — conseguiu desmoralizar nosso Código Penal e vai ser deputado de novo!

“Aliás, saibam que isso vai acontecer também com os ‘petrolões’ — são tantos processos que tudo vai se congestionar e, com o tempo, nada será feito.

Leia mais o artigo de Arnaldo Jabor

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