O pedido de impeachment assinado por Miguel Reale Jr., Hélio Bicudo e Janaina Paschoal reduziu-se a papel de embrulho. O ato de reciclagem aconteceu no STF, na quinta (17). As decisões da maioria da Corte encerram uma etapa e ilustram a profundidade da crise institucional à qual o país foi conduzido ao longo de 13 anos de lulopetismo.
Luís Roberto Barroso é o principal expoente brasileiro da vertente radical do neoconstitucionalismo, uma escola de pensamento que atribui aos juízes a prerrogativa de tomar o lugar dos representantes eleitos e reescrever as leis segundo valores morais genéricos implícitos na Constituição. Sob o comando de Barroso, constituiu-se na sessão do STF uma maioria disposta a elaborar novas leis e, ainda, a produzir normas infralegais sobre os trabalhos parlamentares. Os juízes trataram os deputados como infantes barulhentos no recreio escolar. No fim da operação, cassaram os poderes da Câmara, transferindo-os para o Senado.
O STF deliberou que a Câmara não pode eleger como quiser uma comissão meramente destinada a emitir uma opinião preliminar sobre o processo de impeachment. Faltou apenas decidir sobre a duração exata das sessões parlamentares e a cor das gravatas que devem exibir os deputados. Mas, sobretudo, ao determinar que o Senado tem o direito de rejeitar liminarmente o início do julgamento de um impeachment aprovado pela Câmara, os juízes-legisladores promulgaram uma nova Constituição. Rebaixando a Câmara ao estatuto de órgão de assessoramento do Senado, fundaram um sistema unicameral peculiar no qual o Poder Legislativo coagula-se nos representantes das unidades federativas, com exclusão dos representantes do povo.
A ironia é dupla. De um lado, a maioria do STF faz um agrado aos senadores, que dispõem da palavra final na aprovação dos integrantes da Corte Suprema e usaram tal poder para sacramentar os nomes de juristas engajados no sequestro das atribuições parlamentares. De outro, a cassação coletiva dos direitos dos deputados reflete a desmoralização autoinfligida da Câmara, que permanece sob a presidência de uma figura do quilate de Eduardo Cunha. Barroso e seus seguidores não ousariam derrubar estátuas sagradas e dançar uma rumba sobre as ruínas se os nobres deputados não escarrassem no chão ou dirigissem embriagados na contramão.
Fim de jogo. A denúncia do impeachment, plantada no solo salgado das "pedaladas fiscais" e irrigada pela água suja do pacto de conveniência entre as oposições e Eduardo Cunha, nunca dialogou com a indignação popular contra um governo mentiroso, corrupto e incompetente. Agora, ela está morta, pois não tem nenhuma chance de ultrapassar a muralha de um Senado investido de poderes absolutos. O PSDB pode resmungar, até bufar, exercendo o direito universal ao esperneio, mas iludirá a si mesmo se não reconhecer que cultivou a semente errada, de modo equivocado. Os juízes salvaram a presidente não porque a idolatram, ou por serem petistas, mas para ocupar um círculo de poder incendiado pelos representantes do povo.
As exéquias do impeachment malogrado se estenderão além das festas, para júbilo de uns e lancinante angústia de outros, até a hora do enterro anunciado. O longo ritual não implica a salvação disso que, impropriamente, continua a ser batizado como governo. A Lava Jato aperta o cerco em torno do núcleo do poder, estilhaçando a aliança profana entre o lulopetismo e o alto empresariado. A falência do projeto articulado à volta de Michel Temer fragmenta o PMDB, dividindo a antiga base governista em facções irreconciliáveis. A economia submerge, golpeada pelo fracasso do ajuste fiscal e afogada na maré imunda da inflação. A política econômica, já sem rumo, agora perdeu o patético timoneiro que se fantasiava de Deus.
No meio do caos, é tempo de falar sério. Só pra variar.
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