Enquanto a imagem do juiz Moro era exibida em toda a sua glória em cartazes e camisetas (“Je suis Moro” ou “Moro, não nos abandone”), Lula entrou desta vez com força na mira dos indignados, que o apresentaram como um boneco vestido de presidiário, ou com alusões mafiosas ao Poderoso Chefão e com manifestantes rasgando a imagem de seu rosto. Foi chamado até de “traidor”, com raiva dolorida.
Estes dois fatos, essa mudança de herói, talvez tenha sido mais significativa do que o grito de “Fora Dilma”, que ressoou por todas as ruas e praças ocupadas pelos manifestantes.
Que os brasileiros estejam insatisfeitos com o Governo, a quem culpam pela crise econômica que está afetando o bolso das pessoas, já era evidente antes das manifestações, uma vez que as pesquisas lhe dão míseros 8% de aprovação popular. E esta era a terceira manifestação nacional do ano contra sua gestão.
A novidade é que, pela primeira vez, a grande aposta da sociedade brasileira é a da luta contra a corrupção, contradizendo os que ainda defendiam que o Brasil se acomodava a ela, já que era algo característico da idiossincrasia deste país, refletida no famoso jeitinhobrasileiro.
Até o genial escritor, o falecido João Ubaldo Ribeiro, ironizava isso em suas crônicas sobre o assunto. Dizia que era difícil que a corrupção indignasse os brasileiros, já que o sonho de muitos deles era “ter um corrupto na família” que aliviasse seus apuros econômicos.
As manifestações do domingo resgataram a consciência contra a corrupção com seu apoio ao juiz Moro para que continue a limpeza ética, prendendo os corruptos para que o Brasil possa ser um “país decente”, diziam os indignados.
A investida contra o herói Lula, contra Dilma Rousseff e o partido dos dois, o Partido dos Trabalhadores (PT), está relacionada justamente com a descoberta do novo herói Moro, que mantém na prisão figuras de destaque do PT, acusados não só de ter usado dinheiro ilegal para financiar o partido mas de terem enriquecido pessoalmente.
Lula, considerado não só o fundador como a alma indiscutível do PT, sem o qual, dizem, desapareceria, se vê hoje arrastado pela mesma onda de indignação popular contra a corrupção.
Se um dia o Brasil se vestia do vermelho do PT nas manifestações de rua, impensáveis sem sua presença, hoje os brasileiros mudaram de cor e adotaram o verde e amarelo que domina todas as manifestações. Seria possível dizer que o Brasil encontrou o gosto de ser só brasileiro.
Os analistas veem isso como uma evolução da sociedade e uma importante tomada de consciência de que o Brasil é mais do que um partido, por mais importante que este seja, como o PT, com seu apoio às políticas sociais e suas promessas de trazer ética à política.
E é seguramente esse sentimento de traição o que se começa a respirar cada vez com mais força nas manifestações e que tocou em cheio desta vez seu velho herói, o ex-sindicalista Lula.
Não é fácil profetizar até onde chegarão esses sentimentos de desgosto contra a corrupção política do homem da rua.
Mas foi tão absoluta a rejeição à corrupção que até mascarou, em parte, as críticas à grave crise econômica.
O futuro imediato dependerá agora de se há alguma força política que possa herdar, com credibilidade, o legado do herói hoje ferido, mas que continua vivo e ainda pode trazer surpresas.
E Rousseff? O que se diz é que ela é Lula. Respira por sua boca. Os dois se salvarão ou afundarão juntos.
Por hora, a rua tem ainda muito a dizer e o jovem e sério juiz Moro (para quem é difícil rir, um herói que é o extremo oposto do efusivo, carismático e exuberante Lula) tem ainda muitas teias de aranha para arrancar, o que faz Brasília tremer.
Melhor, portanto, que o Governo e os partidos, assim como o Congresso, não caiam na tentação de minimizar os gritos dos indignados que, em um país considerado um dos mais violentos do mundo, deu um exemplo inequívoco e admirável de não violência, transformando o duro protesto em uma festa popular, muito à brasileira.
E contra os não violentos, a força do poder, ou o poder da força, acaba sempre se chocando.
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