Sob a ótica palaciana, a boa notícia é que os protestos foram grandes, mas não gigantescos a ponto de deixar o Planalto de cabelo mais em pé do que já está. Há protestos espraiados por todo o país, com destaque a algumas cidades do Nordeste que paulatinamente abandona o PT, mas o grosso da manifestação está no esperado eixo São Paulo-Rio-Brasília.
Há a percepção de que o protesto virou um programa de domingo, seja de ricos ou de pobres, o que seria natural com um governo com avaliação positiva de apenas 8% (segundo o mais recente Datafolha). Um evento dominical e sazonal, que transforma a pressão sobre o Planalto em algo que vem das ruas apenas de forma periódica –nada de “vigílias cívicas” ou a constância dos meses finais de Collor na Presidência em 1992.
O lado negativo para o governo é justamente a existência desse movimento e sua perenidade, além de uma maior capilaridade. O descontentamento poderá ser canalizado a eventos pontuais, mas nada garante que uma nova revelação advinda da Operação Lava Jato contra o governo ou algo do gênero não catalise essa energia para algo um ato maior.
Neste caso, seria o pior dos mundos para o Planalto, porque Dilma, Lula e o PT são o foco exclusivo dos protestos agora e já lidam com uma montanha de problemas; há uma semana, o que se discutia em Brasília era como seria um governo Michel Temer –o vice peemedebista de Dilma.
Se os protestos deste domingo são contra o governo, mas não claramente de nenhuma força organizada, é preciso ressalvar que enfim a oposição constituído enfim conseguiu colocar um pezinho no barco. O grupo do senador Aécio Neves (PSDB-MG), que por ter sido o homem que quase derrotou Dilma em outubro deveria teoricamente estar à frente de mobilizações como estas, enfim desceu do muro e colocou sua cara –na figura do próprio ex-presidenciável tucano.
Naturalmente foi algo calculado, já que o próprio senador temia o efeito da exposição. Em eventos passados houve rejeição a políticos em carros de som e palanques. Neste domingo, em seu elemento mineiro, Aécio conseguiu aparecer sem sofrer apupos.
Por outro lado, essa vitória discreta não escamoteia o fato de que a oposição segue a reboque das ruas e sem saber exatamente como lidar com o estoque de dinamismo antigoverno à disposição. Isso tem muito a ver com a falta de um discurso claro e a contaminação do humor da rua pelo “espírito de junho”, que desde as megamanifestações daquele mês de 2013 apontam para um descontentamento generalizado e de caráter apartidário: todos são alvos potenciais.
Não por acaso, a novidade nas ruas foi o apoio ao trabalho do juiz Sergio Moro, condutor da Lava Jato, e não o de algum político de oposição.
Como dito acima, o protesto parece cristalizar-se no cenário urbano à exemplo das mil e uma “manifs” que os parisienses encaram toda semana. A diferença, além da agenda aqui monotemática (o “Fora Dilma” e derivados), é a desarticulação de todos os grupos envolvidos e, por ora, a falta de uma barriga dentro das estruturas convencionais de poder que abrigue tal semente de protesto. Não está nada dado, apesar do teste de hoje, que a oposição formal tenha capacidade de direcionar esse foco.
Por ora, é o caso de acompanhar a ascensão, ou não, da figura do juiz Moro como novo portador da vontade popular. Isso foi tentado com Joaquim Barbosa por atores políticos interessados em tornar o ministro do Supremo que relatava o mensalão com dureza em candidato a algo. Não deu certo, até porque Barbosa é um inconformista e, enfim, porque o momento de crise era muito diferente. Hoje temos um governo à espera de um motivo claro para cair, nada semelhante ao que Lula e Dilma enfrentaram durante o processo do mensalão.
Esta banalização do protesto tem elementos novos. Atos sazonais e que dependem de mobilização na internet parecem condenados ao mesmo escaninho da análise dos “curtir” do Facebook: aglutinadores de pessoas que pensam parecido e que falam uns para os outros a mesma “verdade”. Galerias de fotos serão preenchidas com gente orgulhosa de ter ido para a rua, mas cujo poder de sedução por ora não parece ultrapassar a sua “timeline”.
Nada diferente, portanto e apenas aparentemente, de tantos “eventos” virtuais que reúnem algumas dezenas de hipsters e esquerdistas afins sob alguma causa bonitinha. Só que com uma diferença fundamental: trata-se de um potencial de mobilização que ultrapassa o sindicalismo pago para estar nas ruas no dia 20 em favor do PT. Qualquer estopim parece ter o poder de ampliar seu escopo, sob a causa comum de rejeição ao governo.
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