Reforma tributária, abertura econômica, acordo com a União Europeia, o programa de concessões e privatizações e a autonomia do Banco Central.
O elemento modernizador não se restringe à economia. É uma evidente ruptura com a tradição de clientela da política brasileira a forma de montagem do governo, ainda na transição, sem o recurso ao toma-lá-dá-cá que danificou nossa democracia, em tempos recentes. Pouco importa, nesse raciocínio, se tudo isso fez parte de um plano ou foi obra do improviso.
A consequência é evidente: há um Congresso funcionando com mais autonomia, ainda que com maior custo na tomada de decisões.
Ainda recentemente escutei de um executivo do governo, após uma votação renhida, no Congresso: “Agora é preciso convencer deputado”. Achei boa essa ideia. Deputado está ali para isso mesmo, para convencer e ser convencido, ao invés de votar em função da cota de ministérios do partido.
O ponto é que há um elemento arcaico neste governo, e Bolsonaro, ele mesmo, parece funcionar como seu protagonista. Não me refiro aqui a seu estilo polarizador, seus elogios ao regime militar, ao humor de gosto discutível, aos bate-bocas com jornalistas e coisas do gênero.
Tudo isso era conhecido já antes das eleições e não há por que ninguém fingir muita surpresa com isso. Bolsonaro passou a campanha inteira elogiando o coronel Brilhante Ustra, e mesmo assim recebeu seus quase 58 milhões de votos.
Também não me refiro a políticas públicas. O professor Carlos Pereira enfatizou corretamente a necessidade de distinguir, para quem quer fazer boa análise política, o que são divergências sobre políticas públicas e o que é retrocesso institucional. Isto faz parte do aprendizado democrático. Não é porque alguém discorda de algum item da política ambiental ou educacional do governo que nossa democracia foi pelo brejo.
Este tipo de raciocínio, muito comum no ambiente contaminado das redes sociais, diz mais sobre o caráter autoritário de quem faz a crítica do que do governo que é criticado.
O elemento arcaico, que vai ganhando corpo no governo, reside na atitude do presidente diante das agências e instituições de Estado. Os casos são conhecidos. A evidente ingerência nos comandos da Policia Federal, no Rio de Janeiro, e na cúpula da Receita Federal; a ideia sem cabimento de nomear o filho para a embaixada em Washington, o veto à lista tríplice para a direção das agências reguladoras, na nova legislação aprovada pelo Congresso, e a reiterada crítica à política de financiamento a filmes, que segundo o presidente não deveriam atentar contra a moralidade dominante no país.
Bolsonaro diz que intervém nos órgãos de Estado porque pode. Porque tem poder, em última instância. É verdade. Ele pode, nos limites da lei, mas não deve. É verdade que o presidente é superior hierárquico ao ministro da Justiça, a quem se subordina o superintendente da Polícia Federal, que por sua vez está acima dos superintendentes regionais. Em última instância ele pode cortar todo este caminho. Mas não deve.
A República é feita disso. De contenção e respeito a esferas de poder. Bolsonaro diz que não quer ser um presidente banana. A expressão é boa. Diria que, em uma república, o presidente precisa se comportar, liturgicamente, como um banana, se isso significar respeitar a autonomia de agências reguladoras e conter seus próprios ímpetos voluntaristas. Tudo que o poder permite, mas a prudência não recomenda.
Bolsonaro vai se revelando, gradativamente, como um político tradicional. Um político do varejo, preocupado com pequenas coisas que podiam fazer sentido a um deputado de nicho, não a um presidente.
Nem o homem de ruptura, na visão de seus entusiastas, nem o fascista, nas alegorias da oposição de sempre.
O que vai surgindo é uma expressão muito comum do nosso velho patrimonialismo. Da “cordialidade”, no sentido dado por Sérgio Buarque de Holanda, em que as relações familiares parecem servir de modelo à coisa pública e em que o privado, seja ele feito de gosto ou interesse, se confunde perigosamente com o que é público, e assim deveria permanecer.
Fernando Schüler
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