Se colocar os números no lugar leva tempo, mais ainda levará a política, que depende de fatores bem mais complexos, ligados a questões de natureza psicossocial, como confiança e credibilidade, que não se improvisam, nem se resolvem com emendas constitucionais, decretos ou projetos de lei.
Se é possível – e necessário – impor um teto aos gastos públicos, não há teto à vista para os estragos da política.
O dano causado pelo golpe de fatiar a Constituição em plenário, numa votação que era única, e que só poderia ser única, piorou o que já não prestava. O poço parece já não ter fundo.
Mas o truque saiu pela culatra: se o objetivo era – e foi – livrar Dilma de Sérgio Moro, nomeando-a secretária de Estado de algum governador amigo, a reação havida foi – está sendo - de tal porte que é improvável que alguém, por mais fiel a ela, tenha a coragem de lhe encaminhar tal convite. A menos, claro, que queira ir para o inferno com ela. Em política, até cumplicidade tem limite.
Não obstante o tamanho da lambança, os políticos só começaram a percebê-la depois da reação indignada da sociedade. E se assustaram. De algum modo, a maioria chancelou o crime (pois é disso que se trata: crime contra a Constituição).
As declarações das principais lideranças – gente como Aloysio Nunes, Aécio Neves, Cássio Cunha Lima, Cristovam Buarque (que apoiou o fatiamento) – eram no sentido de contemporizar.
Ninguém se dispunha a recorrer ao STF. Michel Temer mesmo, embora registrasse sua contrariedade, manteve sua viagem à China no dia mesmo em que recebia em caráter efetivo a Presidência da República e via sua base parlamentar cindida em meio ao caos moral daquela votação. Mais uma vez, os políticos assustaram-se com a reação da sociedade, como se esta pudesse reagir de outra forma.
Assim como não previram as manifestações de rua do ano passado e deste ano – e só as levaram em consideração quando já não era possível ignorá-las -, subestimaram a capacidade reativa diante do estupro à Constituição. E aí, só aí, passaram a considerar a hipótese de ir ao STF, que já recebera recursos de entidades da sociedade civil, que, mais uma vez, se antecipou aos políticos.
Por aí se vê o quanto a política oficial está dissociada do sentimento da sociedade que deveria representar. Não fosse a voz das ruas, o tema do impeachment nem teria entrado na agenda. As instituições só funcionam quando movidas pelo combustível do medo.
A Era PT, pontuada por Mensalão, Petrolão e coisas do gênero, fez com que o absurdo parecesse natural. E fez com que a classe política mergulhasse num autismo do qual parece emergir com grande lentidão e contrariedade.
Algo está mudando – e é de fora para dentro. “A agenda política está nas ruas, não nos gabinetes”, proclama o senador Ronaldo Caiado. O recado é para Temer e os que o cercam.
Renan Calheiros e Ricardo Lewandowski não o perceberam. O presidente do STF, em dissonância com alguns de seus mais experientes pares, como Celso de Melo e Gilmar Mendes, já declarou que cabe recurso ao impeachment, embora isso não conste da Constituição, que diz que o Senado é instância definitiva e incontrastável para decidir a matéria.
Mas o advogado de Dilma, José Eduardo Cardozo, confiante nos padrões até aqui vigentes, já ingressou no STF com pedido de anulação do impeachment. Lá, ele está convencido, tudo é possível.
Tem razão: até aqui, as teses mais absurdas encontraram eco no STF. Lula, por exemplo, ainda não se encontrou com Sérgio Moro graças ao STF, que segurou o quanto pôde o seu processo, mesmo não tendo ele direito a foro privilegiado. Tem amigos privilegiados, é o que lhe basta – ou bastava.
Os tempos estão mudando, não obstante a resistência dos políticos (e de alguns juízes e procuradores) a que isso aconteça. Mais de 35 milhões de brasileiros assistiram ao impeachment de Dilma peyla televisão aberta, mais gente do que a média de espectadores durante a Olimpíada, que registrou pouco mais de 33 milhões.
As pesquisas eleitorais mostram que o petismo está minguando, com reflexos sobre seus satélites – PSOL, PSTU, Rede. Não há espaço para truques como os de Marina Silva, da Rede, que, depois de meses condenando o impeachment, decide apoiá-lo na última hora, cuidando, porém, de orientar o único senador do partido, Randolfe Rodrigues, a que votasse em favor de Dilma.
A plateia está atenta. Pode até não entender direito o que é pedalada fiscal, mas sabe que quem as cometeu foi a mesma quadrilha que saqueou a Petrobras. E de roubo todo mundo entende.
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