Numa tentativa desesperada de se livrar do impeachment, Dilma fará de Lula um superministro, com sala no Planalto. Ele chefiará a articulação política do governo e projetará sua sombra sobre toda a Esplanada, especialmente sobre a pasta da Fazenda. Depois de acusar os rivais de tramar um golpe, Dilma recorre a um autogolpe. Lula entrará pela porta dos fundos numa espécie de terceiro mandato.
A manobra envolve alto risco. Ao patrociná-la, Dilma como que exerce um dos poucos privilégios que ainda lhe restam —o privilégio de escolher seu próprio caminho para o inferno. Com o governo esfarelando-se, madame atrelou seu destino ao de Lula, divorciando-se definitivamente das ruas.
O movimento é inútil porque, ainda que consiga deter o impeachment, o máximo que Lula fará por Dilma é acomodá-la no verbete da enciclopédia como a primeira pessoa na história a se tornar ex-presidente ainda no exercício da Presidência. É desagradável porque a presença de Lula na Esplanada, além de não ser um bom exemplo, é um péssimo aviso: o governo entrou na fase do vale-tudo.
Tomado pelo que se diz dele no Planalto, Lula retornará a Brasília para operar milagres. Na política, promete reagrupar o bloco partidário que dava suporte aos governos petistas no Congresso. Na economia, acena com uma reviravolta capaz de abreviar a retomada do crescimento. Falta combinar com a lógica.
Quando ainda era um presidente da República popular, Lula só conseguiu apoio no Congresso comprando aliados com o dinheiro sujo do mensalão e do petrolão. Os parlamentares governistas continuam com o mesmo código de barras na testa. Mas o governo, com a força-tarefa da Lava Jato no seu encalço, já não pode remunerá-los como antes. O novo superministro manuseará um orçamento em ruínas.
Não é só: retratado nas ruas como um boneco-presidiário batizado de Pixuleco, investigado por corrupção, tráfico de influência, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica, Luís Inácio já não é o mesmo Lula da Silva. É nessa condição de ex-Lula que terá de convencer o PMDB, por exemplo, de que é mais negócio permanecer com Dilma do que colocar na cadeira dela o correligionário Michel Temer, seu substituto constitucional.
A contabilidade do impeachment favorece Dilma. Para aprovar o pedido na Câmara, os antagonistas do governo precisam reunir 342 votos. Para barrar o impedimento, o Planalto tem de juntar apenas 171 votos. Líder do governo na Câmara, o deputado José Guimarães (PT-CE) afirma que, se o governo não tiver algo como duzentos votos no plenário, é porque a propalada governabilidade já foi para o beleléu.
Na economia, a guinada defendida por Lula e seus devotos no PT passa pelo abandono de projetos como a reforma da Previdência e de estratégias como o rigor fiscal. Tudo em nome de uma hipotética retomada do crescimento ainda em 2016. Como se fosse possível colher bons indicadores sem plantá-los.
De resto, a aposta do Planalto na capacidade de Lula de fazer e acontecer desconsidera o fato de que a Lava Jato introduz na conjuntura muitas surpresas, espantos, choques, assombrações e uma certa dose de ‘sim senhor, quem diria?!?’.
Nesta segunda-feira, por exemplo, enquanto o morubixaba do PT se equipava para os novos desafios, veio à luz a notícia de que o ex-deputado federal Pedro Corrêa, cacique da tribo do PP, preso em Curitiba, fechou um acordo de delação premiada com a força-tarefa da Lava Jato.
Corrêa contou aos investigadores, entre outras coisas, que Lula tinha plena ciência das propinas que o PP beliscava na Petrobras. Aos pouquinhos, a turma de Curitiba vai fechando o cerco ao redor de Lula. Ainda que fuja de Sérgio Moro, presidente informal da República terá de se entender com o STF. E já estão no forno novas delações.
Fica-se com a impressão de que Dilma passará a dispor não de um ministro providencial, mas de um cúmplice full time. De certo mesmo, o autogolpe propiciará, por enquanto, uma perda da dignidade funcional de uma presidente em apuros. E dignidade é como virgindade. Perdeu, está perdida. Não dá segunda safra.
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