Nunca antes na História deste país se viu um ex-presidente prestar depoimento à Polícia Federal usando tanto deboche, desprezo e ironia, tentando ridicularizar os dois delegados, que somente não lhe deram voz de prisão por desacato à autoridade, porque precisavam que ele falasse o máximo possível, para se contradizer e fazer revelações que pudessem incriminá-lo, como acabou acontecendo. Deixaram Lula falar palavrões à vontade, nada os afastou dos objetivos traçados ao preparar o minucioso interrogatório, cujo termo de transcrição ocupou exatamente 98 páginas.
Se tivesse juízo, Lula teria ficado em silêncio. No início do depoimento, o jovem delegado federal Mauricio Moscardi fez questão de informá-lo a respeito, mas do alto de sua arrogância e prepotência, o ex-presidente fez questão de responder às indagações. Lula estava acompanhado de Roberto Teixeira, amigo, advogado e compadre, e da filha dele, a advogada Valeska Martins. No depoimento, Teixeira só tentou interferir uma vez, para evitar que fosse tocado o assunto do tríplex, mas o delegado Mauricio Moscardi não lhe deu maior atenção e seguiu em frente.
O longo interrogatório foi conduzido com maestria por Moscardi, que estava acompanhado do delegado federal Luciano Flores de Lima e de um dos procuradores da operação Lava Jato. Primeiro, eles deixaram Lula falar à vontade, para enaltecer seu governo, destacando as principais realizações. Deram corda, e depois Moscardi foi buscando as informações de que a força-tarefa necessitava, agindo com impressionante calma, como se não percebesse as provocações e o achincalhe de Lula, que aos poucos foi falando tudo o que se pretendia extrair dele.
Como sempre, o ex-presidente adotou sua velha estratégia de dizer que não sabia de nada. Não percebeu que, ao agir assim, acabaria incriminando a própria esposa e também os amigos que hoje trabalham no Instituto Lula. Assim, além de colocar dona Marisa na condição de cúmplice nos casos do sítio, do tríplex e dos bens da Presidência que o casal trouxe de Brasília, atribuindo exclusivamente a ela a responsabilidade, ele também incriminou os companheiros do Instituto Lula – o presidente Paulo Okamotto e os diretores Clara Ant, Luiz Dulci, Paulo Vanucchi e Celso Marcondes.
Com muita habilidade, o delegado conseguiu que Lula admitisse que o Instituto e sua empresa de palestras, a LILS, são a mesma coisa, funcionam no mesmo local e utilizam os mesmos empregados. Demonstrando ignorância e soberba, foi caindo na rede e admitiu que os dirigentes do Instituto procuram as empresas para conseguir doações e decidem em conjunto como gastar os recursos da entidade, sem a menor participação dele, que não toma conhecimento de nada.
No caso da apropriação dos bens da Presidência, que Lula classificou como “tralhas”, acabou culpando dona Marisa, que cuidou sozinha de tudo, porque ele era o presidente da República e não tinha tempo para cuidar dessas coisas. A propósito, disse saber que alguns presentes são valiosos e por isso estariam no cofre de um banco.
Sobre o tríplex do Guarujá, Lula demonstrou ter se tornado um patético novo rico. Ironizou o apartamento, dizendo se que se trata de um “tríplex Minha Casa Minha Vida”, que considera “muito pequeno”, por ter apenas 215 metros quadrados. Esta declaração do ex-presidente é mesmo um acinte, quando se sabe que as casas construídas pelo programa habitacional do governo têm apenas 39,6 metros quadrados. Ou seja, no tríplex desprezado por ele caberiam cinco casas e ainda sobraria espaço.
Acerca do sítio em Atibaia, Lula repetiu que a versão criada por seu advogado Nilo Batista, dizendo que só veio a saber da existência da propriedade no dia 12 de janeiro de 2011, ou seja, toda a mudança de Brasília para São Paulo teria sido organizada e comandada por dona Marisa, sem a menor participação dele.
E continuou se esquivando de responsabilidades, dizendo que nada sabe sobre um contrato do Instituto Lula com a empresa G4, que pertence a seu filho Fábio Luís, o Lulinha Fenômeno. Quanto à Flexbr Tecnologia S/A, que também fez contrato com o Instituto, o ex-presidente até ironizou o delegado federal, alegando que a empresa é “uma peça de ficção”, pois nunca ouviu falar a respeito dela. Mas acontece que a Flexbr existe, foi criada por Marcos Claudio Lula da Silva e o Sandro Luis Lula da Silva, filhos dele, e está sediada num imóvel que pertence à empreiteira Mito Empreendimentos, por coincidência fundada pelo advogado Roberto Teixeira e hoje registrada em nome da mulher e da filha do advogado, a advogada Valeska Teixeira Zanin Martins, que estava assistindo ao interrogatório.
Apesar de muito jovem, o delegado Mauricio Moscardi é uma das estrelas em ascensão na Polícia Federal. Em maio de 2013, ele foi o responsável pela Operação G7, que desfez um esquema petista de corrupção no governo do Acre, na gestão Tião Viana, envolvendo secretários de Estado e empreiteiros, prendendo 15 acusados de formação de cartel em processos licitatórios. Mas o delegado ficou pouco tempo no Acre após a deflagração da G7, porque o governador pressionou e o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo pediu a transferência dele. Foi assim que Moscardi foi parar em Curitiba, onde logo em seguida seria deflagrada a operação Lava Jato.
Como um dos coordenadores da força-tarefa, Moscardi estava acompanhado de outro delegado federal em ascensão, Luciano Flores de Lima, que recentemente prendeu o marqueteiro João Santana.
Diante do comportamento desaforado de Lula, os delegados podiam ter dado voz de prisão a ele, mas preferiram extrair novas informações para incriminá-lo. E o ex-presidente caiu como um patinho, como se dizia antigamente. Agora, está nas mãos do juiz Sérgio Moro decretar ou não a prisão dele. Se for nomeado ministro, a situação não se modifica, porque é apenas uma questão de tempo. O Supremo também mandará prendê-lo, porque uma coisa é certa – na vida, tudo precisa ter limites.
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