terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Weintraub é uma ideia

Especula-se sobre uma reforma ministerial e a queda de Abraham Weintraub. Não sei se este é o intento do presidente. Sei que a campanha contra o ministro da Educação tem por fonte — por cérebro e motor — a ala ideológica do governo, a que dá formulação e discurso ao bolsonarismo, e que ocupa território privilegiado, falando ao ouvido de Jair Bolsonaro, no Planalto. Sei também que este grupo não age — jamais agiu em quase um ano — sem o aval do presidente; e que nunca rachou. Terá sido a primeira vez?

Não faltam elementos a expor a fervura do óleo na panela amiga em que se quer empanar o ministro. Isso não significa, porém, que Weintraub cumpra mal a missão que lhe foi designada.

Bolsonaro estimula os conflitos internos. Há método na forma como multiplica inseguranças entre auxiliares. Ninguém estaria tão firme. O vaivém de sua palavra — o modo como provoca confrontos inclusive entre colaboradores os mais graduados — tem como meta também desautorizá-los. Ele o faz em público. Distribui derrotas. O mais forte no núcleo duro governista é o menos fraco.


Já escrevi, nesta coluna, sobre “a lógica do fusível” com a qual o presidente gere ministros. O fusível é um dispositivo cuja existência consiste em ser um anteparo condenado a queimar para que queimado não seja o sistema; para que protegidos restem governo e governante. Bolsonaro não hesita em atropelar acordos — firmados por delegados seus, sob sua chancela — se puderem ser entendidos como triunfos em excesso da agenda de um assessor.

Terá sido assim — sob o espírito do “não se pode ganhar sempre” — que dinamitou o envio ao Parlamento da reforma administrativa costurada por Paulo Guedes. Foi assim que não mobilizou nem sequer minuto contra a diluição — a perda de identidade — do pacote anticrime de Sergio Moro; isto enquanto articulava para secar a independência lavajatista do ministro da Justiça, o popular ex-Moro, e transformá-lo no que ora é: espécie de advogado do bolsonarismo.

Com poucas exceções circunstanciais, auxiliares — mesmo os de primeiro escalão — estão no governo para se desgastar. O presidente não os poupa. Coloca-os em campo, como para-raios, sob as descargas das intempéries políticas, para que sejam eles, e não ele, os eventuais fulminados pela tempestade; não tendo pena de inutilizar um subordinado caso a agenda deste —autorizada por ele — desenvolva-se mal e represente risco de escalar para ameaçá-lo.

Isso não quer dizer, contudo, que os queimados sejam imediatamente descartados. Bolsonaro é hábil gestor de zumbis. Há também uma dimensão militar em sua estratégia: manter um cinturão de gordura, uma camada de esvaziados (Onyx Lorenzoni), fanfarrões provocadores menos (Damares Alves) e mais nocivos ao país (Ricardo Salles, Ernesto Araújo e o próprio Weintraub), e enrolados (Marcelo Alvaro Antonio); bois de piranha conservados para o exercício de assombrar (e distrair) os críticos, notadamente a imprensa, mas cujo propósito adiposo seria, por distância, escudar o presidente.

Assim pensa Bolsonaro: “Se não conseguem nem sequer derrubar o ministro do Turismo, muito longe de me abalar estarão.”

Nada disso significa — repito — que Weintraub cumpra mal sua missão. Ele é um executivo. E executa. Opera sob a dinâmica da guerra cultural, do combate ao inimigo, aquele agente do establishment encravado na máquina estatal, cuja derrota só será possível com a destruição da máquina estatal. Weintraub veio para destruir. E entrega resultados.

Por que, então, a campanha por derrubá-lo?

Afora o fato de que choques ceifadores internos sejam normais na dinâmica revolucionária, a blitz da ala ideológica contra o ministro deriva de ele trabalhar com algum grau de concepção econômica liberal. Quer diminuir o tamanho do ministério e ousou se mover para asfixiar a inexpressiva TV Escola. Mexeu numa entre as tantas tetas abocanhadas pelos pançudos jacobinistas, que consideram que a batalha consiste em destruir sem necessariamente reduzir, ocupando os espaços e os aparelhando. Em suma: destruir sem dieta, enquanto engordam. A revolução dos reacionários tem fome. Quer assegurar a boquinha.

Essa é a razão por que se investe — desde dentro do Planalto — contra Weintraub. Se ele tombar, entretanto, tudo indica que outro com o mesmo objetivo devastador terá lugar. Enquanto os próprios bolsonaristas coziam o antecessor Vélez Rodriguez, adverti para que aqueles perplexos com sua gestão não comemorassem — porque a chance de que viesse alternativa pior era imensa. Não deu outra. Repito a advertência agora.

Este 2019 já está perdido em matéria de Educação. Mais um. Outros anos natimortos virão. Não importa o ministro. Nada se pode erguer sobre um chão cuja instabilidade é projeto de governo. Weintraub é o espírito do tempo. Vai, fica: ele permanece. Weintraub é uma ideia.

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