terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Retrato do Brasil

Assim como a fotografia é a imagem que se capta de um momento, a pesquisa de opinião faz a mesma coisa. Sem o visual da imagem , ela é capaz de reter o sentimento, a tendência, a ideologia que prevalece numa situação. Na semana passada, o Datafolha divulgou a sondagem que fez para saber se a população aprova ou não o governo.

O resultado é o retrato político de um País que, em meu entender, não tem fotogenia. A pesquisa detectou que existe uma tendência favorável da opinião pública para o presidente que não ouso dizer o nome. Os números são bons para ele e indicam que a escalada de reprovação do governo teve ritmo sustado, pois a impopularidade ficou estabilizada.

Curiosamente quem segurou a queda foram os tímidos índices da economia como a quase imperceptível retomada na geração de empregos e os números do PIB. Antes de a pesquisa ser publicada, eu jurava que era o contrário. Mas, descubro, fatalmente, estou numa bolha.


Se você quiser emoção mais forte, o levantamento também acusou que há uma avaliação positiva da ministra Damares Alves (ministra de quê mesmo?). Lógico, Damares fica bem atrás de Moro e Paulo Guedes. No entanto, é a única entre os ministros citados, que recebeu melhor avaliação entre os mais pobres do que entre os mais ricos. Juro!

Nas entrelinhas, a pesquisa está afirmando que hoje já existe quem goste desse governo. De quê, não sei: é um governo que exalta o conservadorismo, prega menos liberdade, opta por uma economia de mercado, é elitista e condena as políticas públicas. Neste primeiro ano de gestão, o presidente tem dado provas que não é um conciliador, é chegado a um confronto, a polarizações radicais, quer manter privilégios para grupos específicos e rejeita os direitos das minorias. Para quem gosta, é um prato delicioso.

Certamente há no País muita gente que despreza essas atitudes. Mas, se a pesquisa diz que a economia segurou a barra e o ajudou, é preciso entender que se os índices dessa economia melhorarem, o autor dela também se fortalece.

No ano passado, na campanha eleitoral, quando cientistas políticos analisavam o comportamento dos eleitores e tentavam identificar suas escolhas e motivações, justificavam que as pessoas eram favoráveis ao então candidato que hoje é presidente porque queriam dar um voto de protesto. Ou, principalmente, porque o sentimento anti PT era grande.

Passado um ano, essas avaliações não servem mais para analisar quem insiste em apoiar um governo que oferece mais desvantagens do que vantagens ao povo.

O governo tem a cara de quem o apóia com convicção. As sondagens, se a gente quiser entender assim, sugerem haver um percentual de brasileiros bastante fiel à direita e quer manter a situação política do jeito que está. Essa convicção só pode ser explicada por uma palavra: identificação. Ideológica, partidária ou de classe.

Vamos combinar. Grande parte da população (o povão, inclusive) é moralista e quer viver numa sociedade que rejeita as políticas progressistas. Uma ampla parcela quer a manutenção das instituições sociais tradicionais e gosta de ser assim. Quando a pesquisa diz que há quem aprove o governo ela realmente é o retrato de um parte do Brasil .
Cícero Belmar

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