sábado, 13 de fevereiro de 2016

Acabou-se o que era doce

Admito não ser tarefa fácil retomar a rotina depois de um prolongado período de festas. Ainda mais quando se tem pela frente um ambiente impregnado de ódios e rancores das mais diferentes espécies. Chego a desconfiar de que a velha cordialidade brasileira sucumbiu diante dos inúmeros radicalismos que se espalham por toda parte.

Tem sido difícil lidar com essa fauna raivosa de pseudodemocratas de direita e de fascistas de esquerda, que, em sua arrogância característica, esquecem que o diálogo é imprescindível nos regimes democráticos. As tentativas de assegurar esse direito esbarram, geralmente, na intolerância de quem jamais admite a presença do contraditório.


De certa forma, o descrédito que paira sobre a nossa classe política vem ajudando a alimentar esse estado de beligerância. As contradições ideológicas observadas nos atos do governo e nas atitudes dos partidos de oposição revelam um oportunismo pernicioso, costurado em conchavos políticos sem o menor constrangimento. Na verdade, são acordos espúrios apresentados, cinicamente, como necessários à sustentação de hipotéticas bases políticas.

Em meio a esse fogo cruzado ainda temos que lidar com a calamitosa situação econômica que deteriora, a cada dia, o bom humor da nossa sociedade. Infelizmente, o receituário dos magos das finanças continua se limitando, em tese, ao velho recurso do aumento de impostos ou da privatização indiscriminada de tudo o que aparece pela frente. A maioria dessas propostas não leva em consideração as angústias das camadas mais pobres da população, vítimas do desemprego crescente e de uma inflação galopante que compromete os seus parcos salários.

De uma maneira geral, são soluções imediatistas e incapazes de reverter, no médio e longo prazo, a tragédia social que se anuncia para um futuro próximo. Só não enxerga essa perversa realidade quem não quer ou não tem interesse em lidar com ela. Enquanto isso, o tal pragmatismo de resultados imediatos continua sendo aclamado como se fosse uma fórmula mágica para resolver qualquer problema de ocasião.

Em paralelo, assistimos aos resultados da inconsequente gestão federal, estadual e municipal que levou a nação brasileira a um endividamento desmedido e, consequentemente, a um estado econômico falimentar. A maioria dos investimentos em serviços públicos essenciais — saúde, educação, transporte, infraestrutura e segurança pública — foi destinada, prioritariamente, a atender aos interesses políticos partidários e aos lobbies das grandes empresas. Institui-se, como regra do jogo, um pacto sinistro de conivência mútua que está sendo difícil de ser desarticulado.

Este tipo de comportamento alcançou, também, a produção da habitação popular. A construção dos indefectíveis conjuntos residenciais nas periferias das grandes cidades não trouxe nada de novo em benefício da sociedade. Muito pelo contrário. Pobre da população que vive nessas localidades distantes e que é obrigada a se deslocar, diariamente, por horas a fio, entre a sua residência e o trabalho. E depois não querem que haja favela no núcleo central e nos bairros da cidade.

Não podemos continuar indiferentes diante destes e de outros desvios de conduta. Qualquer intenção de estabelecer padrões exemplares de cidadania deve passar necessariamente por uma participação efetiva do conjunto da sociedade. Não dá pra continuar transferindo para o poder público a exclusiva responsabilidade de resolver todos os problemas que ocorrem nas cidades.

É necessário, portanto, que a população brasileira tome consciência do seu papel no enfrentamento dos aspectos que contribuem para a contínua degradação dos nossos ambientes urbanos. O espírito coletivo deve sempre prevalecer na construção e consolidação da cidadania. Iniciar pela solidariedade talvez seja a maneira mais eficaz de reverter o estado de anomia que se instalou no Brasil. Sabemos o quanto é difícil recuperar a urbanidade perdida, mas, alcançar esse objetivo depende exclusivamente da nossa vontade.

Luiz Fernando Janot

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