domingo, 6 de março de 2016

Os arquivos de 'Judas'

Uma certeza prevalece sobre a torrente de dúvidas lançada nas últimas 48 horas na cena brasileira: como está, não vai ficar.

Dissipam-se as possibilidades de Dilma Rousseff se manter ilesa até o fim do mandato. O depoimento do ex-líder do governo no Senado Delcídio Amaral (PT-MS) expôs a presidente a novas e múltiplas iniciativas jurídicas por crime de responsabilidade.

A consequência imediata, previsível, é uma decisão mais rápida do Supremo Tribunal Federal na liberação do rito do processo de impeachment na Câmara dos Deputados.

Dilma tem pela frente, além da ação para impedimento, um processo de cassação do mandato no Tribunal Superior Eleitoral. A previsão dos juízes é que o desfecho ocorra, no máximo, até setembro.

A corrosão do governo ocorre sob as piores condições. Perdeu a base e a principal frente oposicionista se consolida dentro do próprio partido, capitaneada por Lula, que há tempos deixou-se seduzir pelo jogo simulado de conduzir a própria oposição, e governar na divisão. São de Lula as digitais na derrubada dos ministros da Fazenda (Guido Mantega e Joaquim Levy) e da Justiça (José Eduardo Cardozo).

Com o seu aval, também, o PT atravessou os últimos 14 meses sabotando todas as iniciativas do governo Dilma na economia, cujas dificuldades estruturais mais evidentes são herança da era Lula, agravadas pela soberba da presidente na condução da político-econômica. Resultou em recordes como o declínio de 14% nos investimentos em 2015 — o mais significativo em um quarto de século, desde o impeachment de Collor.


Astuto, Lula viu ontem uma chance na ordem assinada pelo juiz Sérgio Moro na última segunda-feira, 29, recheada de cautelas: “NÃO deve ser utilizada algema e NÃO deve, em hipótese alguma, ser filmado... O mandado SÓ DEVE SER UTILIZADO E CUMPRIDO, caso o ex-Presidente, convidado a acompanhar a autoridade policial para depoimento, recuse-se a fazê-lo”.

O ex-presidente anunciou que vai viajar pelo país fazendo aquilo que mais gosta: subir em palanques para demonstrar a certeza granítica de que todo o mal deve ser atribuído aos outros.

Dilma, ao contrário, mostrou-se nervosa. Em reuniões, xingava seu ex-líder no Senado. Nem teve o privilégio da primazia: em abril de 2006, no governo Lula, o então deputado Jorge Bittar (PT-RJ) chamou-o de “Judas”, no mais suave dos impropérios. A CPI dos Correios terminava com um acordo de Delcídio com o presidente: o relatório final isentava Lula e omitia o nome de um de seus filhos, Fábio.

Quando inconformados, como Bittar, Aloizio Mercadante e José Eduardo Cardozo, ameaçaram expulsá-lo do PT, ele anunciou um livro: “Registrei tudo, com parlamentares, executivos, empresários e pessoas do governo”, repetia pelos corredores do Senado.

Se livro e gravações existem, não se sabe, mas desde então Delcídio ascendeu no partido, com o apoio de Lula e Dilma. As poucas páginas já divulgadas da sua delação contêm detalhes suficientes para sugerir que o senador andou espanando a poeira dos arquivos. 

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