No ensaio Dialética da malandragem, um marco da crítica literária no Brasil, Antônio Cândido mostra que o romance de Manoel Antônio de Almeida estabelece um nexo entre a ordem e a desordem, a primeira representada pelo Major Vidigal; a segunda, por Leonardo, mas ambos oscilam entre um polo e outro: ordem e desordem se articulam solidamente, mas “o mundo hierarquizado na aparência se revela essencialmente subvertido, quando os extremos se tocam”. Manuel Antônio de Almeida não faz juízo de valor sobre os personagens, cujas ações certas e erradas se misturam. Na sua obra, como na vida, o bem e o mal se contrabalançam a todo instante.
É nesse universo que os extremos são mitigados um pelo outro. Não existe moral no livro, somente as ações e resultados. A leitura do romance ajuda a compreender a complexidade do problema das milícias do Rio de Janeiro, quando nada porque sua origem são as entranhas da força policial criada por Dom João VI logo após chegar ao Brasil, para manter a ordem na nova sede de seu império. Não há rebelião política ou guerra na história do Brasil, desde 1809, na qual a Polícia Militar do Rio de Janeiro não tenha estado presente.
O outro lado da moeda é o achaque, a contravenção e a venda de serviços de proteção por elementos ligados ou oriundos da Polícia Militar fluminense. No caso do Rio de Janeiro, o colapso dos esquemas de corrupção política tradicionais, que operavam na administração direta e nas estatais, momentaneamente, fortaleceu o poder político das milícias, que agora rondam o Palácio do Planalto. Predominantemente formadas por ex-policiais militares, operam na economia informal, principalmente na prestação de serviços de toda ordem: do transporte de van ao gatonet, do fornecimento de gás à cobrança de agiotas, da proteção aos bicheiros à partilha do tráfico de drogas, da receptação de cargas coligadas ao contrabando, da grilagem de terra aos condomínios irregulares, dos serviços de segurança às execuções. Não existe protesto de título em cartório nessa economia informal, a cobrança de dívidas é feita à bala. Não é à toa que os índices de investigação de homicídios são baixíssimos. As milícias do Rio de Janeiro são hoje uma tremenda força política e eleitoral, cujo poderio não deve ser subestimado.
Trairagem
O secretário-geral da Presidência, Gustavo Bebianno, perdeu o cargo porque teria vazado informações e fotos sobre as relações do clã Bolsonaro com o ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega, acusado de ser um chefão do “Escritório do crime”, grupo de extermínio das milícias do Rio de Janeiro sob investigação do Ministério Público Federal (MPF). Bebianno é aliado de Paulo Marinho, primeiro suplente de Flávio, que caiu em desgraça antes da posse, e do general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, quem mais tentou mantê-lo no cargo. No Palácio do Planalto, há muita teoria da conspiração na suposta traição de Bebianno a Bolsonaro.Luiz Carlos Azedo
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