De qualquer modo, o fator mais poderoso para nos tirar desses ciclos de euforia e depressão, gerando uma transformação estrutural do Brasil, é a reforma da educação. Somente melhorias contínuas e profundas da política educacional podem atacar os três maiores problemas do país. Primeiro, o combate à desigualdade, pois o ensino de qualidade para todos é o mecanismo intertemporal mais eficaz no aumento da igualdade de oportunidades entre ricos e pobres. Segundo, o crescimento da produtividade da economia, que depende sim de medidas macro e microeconômicas, mas cuja sustentabilidade depende da boa formação escolar do capital humano. E, por fim, o déficit de cidadania, fortemente vinculado à assimetria no acesso à informação e ao capital cultural.
Neste sentido, um documento que pode ajudar nos rumos do novo MEC é o "Educação Já", texto produzido pelo Todos Pela Educação, movimento que congrega vários atores que atuam e apoiam esse campo, em especial gestores públicos, entidades do Terceiro Setor e pesquisadores do assunto. Trata-se de uma proposta que é fruto do amadurecimento do diagnóstico e da agenda para o setor, resultado de muitas pesquisas sobre o Brasil e a educação no mundo, bem como dos aprendizados que os atores tiveram com a implementação da política educacional desde a redemocratização.
Na qualidade de alguém que participou da confecção do documento, posso assegurar que o texto não esgota todas as questões que envolvem o tema educacional no Brasil. Além disso, sempre é possível polemizar com os argumentos ali construídos ou aperfeiçoá-los. Mas qualquer debate aqui depende da utilização da mesma lógica que alimentou a produção dessa proposta, baseada em duas coisas. A primeira é ter como base as evidências dos estudos científicos e da análise de experiências concretas. E a segunda foi o diálogo com vários atores estratégicos, dos mais diferentes grupos e partidos, que participaram da política de educação nos últimos 30 anos.
A lista de problemas da política educacional brasileira é extensa. Mesmo assim, deve-se inicialmente admitir o quanto o país avançou desde a Constituição de 1988. Houve a universalização do ensino fundamental; um grande crescimento dos alunos concluintes do ensino médio; a ampliação do acesso à educação infantil e mesmo à universidade; a melhoria da carreira de professor, principalmente por meio de concursos e da ampliação da formação docente; a criação de um modelo mais redistributivo de financiamento; a adoção de modelos de avaliação em larga escala que permitem conhecer melhor a real situação do aprendizado dos alunos; e, mais recentemente, a proposição de uma base curricular capaz de orientar com maior precisão o trabalho didático dos professores.
Ainda poderiam ser adicionados ao rol de avanços um conjunto de programas e experiências na educação em algumas partes do país. Entre estes, dois bons exemplos são o programa de alfabetização no Ceará e a escola de tempo integral no ensino médio pernambucano. Mas chama a atenção que as boas práticas são pouco disseminadas pelo Brasil afora, de modo que há ilhas de excelência rodeadas por mares de problemas educacionais.
Para que um diagnóstico pavimente o caminho para uma agenda exequível é preciso escolher prioridades. Ou melhor, é necessário selecionar os temas que são mais importantes e cuja resolução tem efeitos positivos sobre o conjunto dos problemas. Assim, o documento "Educação Já" produz uma visão sistêmica (a relação das partes com o todo), de longo prazo e que sabe estabelecer quais são as maiores urgências da educação.
São sete as prioridades definidas pelo documento proposto pelo Todos Pela Educação. A primeira diz respeito à melhoria da governança do sistema educacional, pois as políticas só vão dar certo se houver um modelo decisório e de implementação adequado. É fundamental melhorar a qualidade da gestão das redes de ensino subnacionais e do próprio MEC. Mais importante, deve-se fortalecer o regime de colaboração entre os níveis de governo, fortalecendo os laços verticais de cooperação entre União, Estados e municípios, bem como a parceria e articulação entre os governos locais. A melhoria das relações intergovernamentais é muito importante, especialmente por conta das desigualdades que há entre os entes federativos. Para resolver isso, um dos pontos centrais aqui é a criação de um Sistema Nacional de Educação, capaz de coordenar e democratizar as ações educacionais dos três níveis de governo
A segunda prioridade passa pelo aperfeiçoamento do sistema de financiamento da educação. Embora tenha havido avanços desde a criação do Fundef/Fundeb, ainda há espaço para aumentar a capacidade redistributiva da transferência de recursos, repassando mais aos governos subnacionais que têm maiores vulnerabilidades em seu corpo de alunos. Além disso, é necessário instaurar mecanismos de indução de boas práticas por meio da distribuição de dinheiro e/ou apoio técnico. No fundo, a questão aqui é como combinar a preocupação com a busca da equidade com a melhoria do desempenho do modelo educacional.
A aprovação de uma Base Nacional Comum Curricular foi um dos maiores avanços recentes, com o apoio de diferentes partidos e de gestores por todo o país. Mas agora chega a etapa mais difícil: a implementação. Eis aqui a terceira prioridade do "Educação Já": a criação de uma série de medidas que garantam a efetivação dessa transformação em todas as redes de ensino do país. Cabe frisar que um bom currículo, construído pelos atores que o utilizarão, e sob condições adequadas de execução, tem como principal efeito aumentar as chances do aprendizado de todos os alunos.
Nenhum sistema de ensino no mundo melhora se não aprimorar a formação e a profissionalização da carreira docente. Essa quarta prioridade capta o elemento mais central da política educacional, pois o caso brasileiro é caracterizado pela baixa qualidade da formação inicial de professores, pela falta de mecanismos mais efetivos para atrair e reter jovens talentosos na profissão, pela precariedade das escolas como ambiente de trabalho e pela escassez de incentivos que reforcem, continuamente, o desenvolvimento profissional, tanto para motivar como para responsabilizar os docentes. Em resumo, precisamos de professores qualificados continuamente, motivados e cobrados pela comunidade para que alcancem sua principal e mais nobre tarefa: o aprendizado de todos os alunos.
As últimas três prioridades dizem respeito a etapas do sistema de ensino. Deve-se fortalecer as políticas para a primeira infância, porque os estudos mostram claramente que o êxito nessa fase potencializa o aprendizado futuro, favorecendo sobretudo os que têm condições mais precárias de vida. Também é preciso criar as condições mais adequadas para a alfabetização, uma vez que 55% das crianças brasileiras de 8 a 9 anos de idade não estão alfabetizadas. Por fim, um novo modelo de ensino médio precisa urgentemente ser montado, dada a enorme evasão de alunos, a fragilidade do aprendizado, a falta de diversificação de saberes e o baixo protagonismo juvenil, elementos que, ao fim e ao cabo, restringem as oportunidades educacionais de parcela significativa da juventude brasileira.
Esse conjunto de mudanças exige uma decisão política em prol de reformas profundas e contínuas da educação. Países como o Chile, o Canadá, a Austrália, Cingapura e a Finlândia, entre outros, colocaram a política educacional no centro da agenda pública. O Brasil ainda não fez isso e, por isso, está perdendo a competição com outras nações nos exames internacionais, como o Pisa.
A pergunta que fica no ar é: o governo Bolsonaro terá coragem e competência para liderar esse processo? Afinal, mesmo fazendo reformas como a da Previdência, não haverá país algum a comemorar sem mudanças na educação. Adotar um rumo errado agora na política educacional condenará gerações. E o pior futuro é a falta de perspectiva para nossos filhos e netos.Fernando Abrucio
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