O politicamente correto é máscara de louça para o preconceito.
Politicamente correto é a censura prévia disfarçada de escudo. No fundo, bem no fundo, a pessoa fica tolhida, desconfiada, com medo de ferir os outros e, com isso, acabar ferida de volta. Politicamente correto é camisinha de força para a língua, pois só pode ser loucura chamar um negro de negro, alemão de alemão, gordo de gordo e manco de manco.
Politicamente correto é focinheira em todos os cães.
O politicamente correto é descrito nas letras em miniatura do contrato, aquelas feitas para condenar quando for vantagem para outros, desvantagem para você. Politicamente correto é sepultamento dos vivos. É a morte da malandragem, é o suicídio dos humorados, é a redenção dos covardes, é a vingança dos recalcados. O politicamente correto é uma faca cega, pois não merecemos o manejo de palavras afiadas.
O politicamente correto rebatiza os filhos para ver se ficam mais bonitos.
Politicamente correto é existir grades no paraíso. É passear em ordem unida, é contrição sem arrependimento. Politicamente correto é garantia de úlceras para o futuro, pois ninguém consegue rodar com os freios de mão puxados sem consequências.
Politicamente correto é toque de recolher.
Politicamente correto é aquele modorrento 0 X 0 que espanta o público, é coito interrompido, é manha, fita, choro sem lágrima. Politicamente correto é não poder tomar chuva, nem mesmo no verão. É aquário, gaiola e canil. É esconder o rosto achando que, assim, desaparecemos.
Politicamente correto é fumei, mas não traguei.
O politicamente correto é, dizem, uma tendência que veio para ficar. É mais civilizado. Mais cordato. Amistoso, suave, palatável. É algo que está tomando conta de tudo e formando uma geração que, agindo e reagindo assim, acreditará estar mais protegida das maldades do mundo. Eu discordo do politicamente correto e o combato enquanto nadar contra a corrente não for crime. Mais do que garantir o direito de eu mesmo ser irônico, mordaz, chulo ou ferino, defendo que meus filhos e netos sejam capazes de suportar contrariedades, provocações, desgostos, frustrações – agressões! – e assim se defenderem.
Politicamente correto é ministrar tranquilizante para quem deveria estar alerta.
Rubem Penz
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