quarta-feira, 4 de setembro de 2024

República dos bananas

A dois meses das eleições norte-americanas, compõe-se o ramalhete de homens fortes interessados na vitória de Trump: Putin, Netanyahu, Modi, Orbán, Milei, Mohammed VI e o grandioso Elon Musk. É uma festa. Ainda assim, há quem consiga ter dúvidas sobre onde faria o “X” frente aos dois quadradinhos, Kamala ou Trump, como o líder parlamentar do PSD, Hugo Soares. É possível que estejam à espera da declaração de voto do Conde Drácula.


Mas falemos de outro “X”. Esta semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil ditou a suspensão do antigo Twitter, depois de Elon Musk se ter recusado a cumprir uma ordem para nomear um representante legal da plataforma no país. O veredicto surge no quadro de uma investigação sobre distribuição de notícias falsas, em que o empresário é suspeito de crimes de obstrução à justiça, organização criminosa e incitação ao crime.

Nas palavras do juiz Alexandre de Moraes, Musk tem incorrido em “conscientes e voluntários descumprimentos das ordens judiciais”, ignorado as multas e o ordenamento jurídico brasileiro, procurando “instituir um ambiente de total impunidade e de terra sem lei”. Começa a ser o padrão.


Elon Musk é figura de proa de uma ideologia de direita-radical que, mascarada de progresso, visa trazer de volta o absolutismo do séc. XVII: o poder absoluto, concentrado num homem, para fazer o que lhe der na gana. Sem essa maçada que é o escrutínio, a lei, os tribunais, os valores, os direitos dos povos ou os códigos de ética. Declarou guerra à ONU, quando o diretor do Programa Alimentar, David Beasley, desafiou os bilionários a ajudar a acabar com a fome no mundo. Declarou guerra à Comissão Europeia, por implementar leis para responsabilizar as plataformas pela desinformação e proteger a privacidade dos cidadãos europeus. Declarou guerra ao Governo britânico, apoiando extremistas e incitando à guerra civil perante os motins e a violência de extrema-direita contra cidadãos imigrantes e muçulmanos no Reino Unido. Como um miúdo mimado, o homem mais rico do mundo chora e esperneia perante as regras.

Nos últimos anos, tornou-se mainstream um discurso anti-Estado que olha para a Lei como espartilho, para os impostos como fardo, para o vizinho como inimigo. É a dita direita radical, também os temos cá. Todos os homens do ramalhete dos horrores que citei o promovem, vale a pena repescar: Trump, Putin, Netanyahu, Modi, Orbán, Milei, Mohammed VI e o magnificente Musk. Eis um velho truque dos tiranos: bradar a liberdade como valor supremo, quando na verdade advogam a sua própria liberdade para esmagar os outros. Infelizmente, a lengalenga vende numa sociedade permeada pela moral neoliberal, de que o Estado oprime e os empresários salvam. Trump e os amiguinhos são a tacada final na destruição do ideal do Estado social, para repor o bom velho medievalismo disfarçado de futuro, desta vez com smartphones e robôs.

Mas ainda vamos a tempo. Pelo menos, a tempo de não sermos os patinhos desta história. Findas as férias, há que guardar as sandálias e abrir os olhos, que eles “andem” aí – em Portugal também. Prometem força e liberdade, mas só batem nos mais pobres e nos mais frágeis. É tempo de os por na ordem. Mão firme com os tiranetes, que isto não é a República dos bananas.

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