quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Os donos do planeta

O conflito entre o poder nacional brasileiro, representado por sua corte suprema, e o poder individual da empresa X (antigo Twitter) faz lembrar o capítulo “Os donos do planeta” no livro "A Cortina de Ouro: os sustos do final do século e um sonho para o próximo”, publicado há trinta anos. Nele está escrito:

“O século XX parecia fadado a inscrever-se na história como a era da descolonização. Todos os países colonizados iniciaram movimentos de independência das metrópoles. Mas o colonialismo reafirmou-se sob nova forma: a debilitação dos Estados nacionais e a universalização de uma metrópole sem nação, espalhada por todo o mundo e separada de todos os excluídos, independentemente do país onde estejam.”….



“Em lugar da esperada descolonização, no final do século XX descobre-se que a Terra foi apropriada por um reduzido grupo de donos do planeta que controlam a informática, os meios financeiros, a informação. A integração internacional e o papel do saber como elemento chave do processo produtivo contemporâneo fizeram com que um pequeno grupo de pessoas tivesse um poder que nunca antes, nenhum outro grupo tivera. Diariamente, em cadeia mundial, esse seleto grupo mobiliza trilhões de dólares, define o que será informado e quais interpretações dessas informações chegarão à totalidade dos habitantes do planeta. Eles controlam o dinheiro, controlam as mentes e o processo produtivo e continuarão a fazê-lo ao longo das próximas décadas. Para surpresa de todos, entre eles não há um único chefe de Estado ou de governo.”….


“Neste fim do século XX, os homens mais influentes do mundo são indivíduos que jamais se submeteram ao voto, que nunca legitimaram seu poder diante da população e, sobretudo, são pessoas cujo poder não se limita nem tem interesses coincidentes com nenhuma nação.

No começo do século XX, o poder dos Rockfeller e dos Ford, construído ao longo de vidas e mesmo gerações, ficava restrito a uma parte limitada da sociedade planetária e os seus impérios estavam de certa forma subordinados aos interesses nacionais de seus países. Para terem poder em uma parte do mundo, tinham que conquistar o poder político em seus países. Bem diferente é o cenário atual, em que os donos do planeta são jovens que em poucos anos estenderam o poder ao longo de um mundo que eles se acostumaram a tratar de forma integrada, sem necessidade de poder ou legitimidade políticos no âmbito dos Estados nacionais que já não conseguem incorporar conceitualmente grande parte dos novos problemas.”….

“Paralelamente ao pequeno grupo que se fez dono do planeta para além das fronteiras nacionais, dentro de cada país, políticos nacionais detêm o poder político específico de suas sociedades, incapazes de oferecer respostas globais mesmo quando têm o sentimento do mundo. O final do século XX descobriu o planeta, mas ficou prisioneiro dos interesses de uns poucos proprietários privados e da política de cada líder nacional em particular. Nenhum deles com sentimento, lógica, propósitos e instrumentos que captem a globalidade dos problemas e dos objetivos da civilização, que indiquem a complexidade da crise e o potencial das alternativas que se abrem diante da humanidade.”….

“No início desta década de 1990 o mundo viu a majestosa reunião da Eco92 no Rio de Janeiro. Mais de cem chefes de Estado e de governo se reuniram para discutir o futuro do planeta. Mas cada um deles estava limitado ao sentimento político nacional de sua respectiva nação. Embora talvez desejassem uma solução global para o planeta, seus eleitores eram somente os cidadãos dos países que representavam, e ainda que haja a percepção da crise, a lógica dos interesses de cada indivíduo e de cada país não capta a dimensão dos problemas globais que o final do século apresenta.”….

“Longe de destruir o colonialismo e criar uma sociedade planetária unificada, o fim do século XX mostra uma guerra de civilizações do ponto de vista econômico, entre a elite rica do mundo inteiro contra os pobres do mundo inteiro; do ponto de vista ideológico, entre a cultura ocidental e pensamentos autônomos ainda resistentes; do ponto de vista ecológico, entre os ricos proprietários de toda a Terra e os demais pobres deserdados que a habitam.”….

“Diante da força dos donos do planeta, o poder político de Estado ficou impotente ou mesmo arcaico e obsoleto. O secretário-geral das Nações Unidas definiu isso ao dizer: ‘A realidade do poder mundial escapa largamente aos Estados. A globalização implica a emergência de novos poderes que transcendem as estruturas estatais.’”….

“No lugar de um mundo descolonizado, os homens do fim do século XX e início do XXI testemunham assustados a reafirmação de um novo colonialismo, sem metrópole nacional, comandado por redes privadas, por máfias, pelos donos do planeta: pelos que dissolvem as nações.”….


Quando o livro A Cortina de Ouro foi publicado, em 1994, Elon Musk tinha 23 e Alexandre de Moraes 26 anos. O primeiro é hoje um dos donos do planeta e usa “drones e mísseis”, o outro nos representa tentando defender o Brasil usando “capa e espada”, em uma guerra que vai durar ainda mais tempo do que os trinta anos desde a publicação do “Cortina de Ouro”.

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