Quando falamos das eleições americanas, por exemplo, temos a certeza de que a nossa influência sobre os eleitores americanos é absolutamente zero.
Logo, podemos dizer os disparates que quisermos, que daí não vem mal ao mundo: somos só portuguesinhos de peito cheio a fingir que ainda mandam no mundo, quais periquitos vaidosos, a perorar sobre a nova água-de-colónia do patrão.
Digo isto antes de oferecer as minhas perorações sobre Kamala Harris porque nada é mais divertido do que ler os comentadores portugueses a escrever como se fosse a prosa deles a impedir a Casa Branca de colapsar. Não há nada mais hilariante do que uma nulidade a levar-se a sério.
Pelo que vi, gosto muito de Kamala Harris. Os americanos de quem eu não gosto não gostam dela pelas razões que me levam a gostar dela.
Para já, ri-se muito. É o riso de quem gosta de se rir. Ri-se sinceramente e, sobretudo, rise quando não se deveria rir, o que é um sinal de liberdade.
Beija o marido na boca, mesmo que estejam milhões de pessoas a ver. Isto é o mesmo que se rir. Mostra que não tem duas caras. Não é condescendente: não pensa que é preciso ter cuidado com o povo.
Quando fala em público, pensa em voz alta. Tenta dizer coisas profundas e, quando falha, volta à carga na próxima ocasião. A espontaneidade tornou-se tão rara que já ninguém a reconhece.
Gosta de música boa – de Mingus, por exemplo – e não tenta contrabalançar o bom gosto dela com exemplos popularuchos. Kamala Harris pode ou não ser brat (e a música de Charli XCX pode não ser grande coisa), mas, pelo menos, não faz de conta que adora as cantilenas robóticas de Taylor Swift.
Kamala Harris é uma burguesa de bom gosto. A mãe era oncologista e investigadora, o pai é historiador e professor universitário.
Parece ser uma pessoa feliz.
Se os americanos não gostam dela, o problema não é de Kamala Harris.
É deles.
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