Explicou: “Obviamente ele é um homem bem intencionado, limpo, ele quer fazer as coisas direito, mas como é possível com essa turma em volta?”. Em seguida atacou os militares e os “novos” políticos, em seguida o vídeo foi apagado “por pressão da ala militar”, em seguida o porta-voz de Bolsonaro fez uma declaração afagando seu guru por um lado, criticando-o por outro, em seguida o filho zerodois, que obviamente é a voz do pai nas redes sociais, disse o contrário... E lá se foi o Brasil discutir o Governo da situação e o Governo da oposição, a ala militar, supostamente a menos ideológica, e a ala “olavista”, supostamente a mais ideológica, com particular atenção para o romance caliente entre o vice Hamilton Mourão e o filho zero dois, até agora entre tapas e nenhum beijo.
O general da ativa Otávio Santana do Rêgo Barros, coitado, parece cada vez menos um porta-voz de presidente e cada vez mais uma espécie de louro José de Bolsonaro. Aos 58 anos, uma carreira militar exitosa, e vai dizendo coisas assim: "De uma vez por todas o presidente gostaria de deixar claro o seguinte: quanto a seus filhos, em particular o Carlos, o presidente enfatiza que ele sempre estará a seu lado. O filho foi um dos grandes responsáveis pela vitória nas urnas, contra tudo e contra todos". Sério. Enquanto o novelão se desenrola, capturando e desviando a atenção do país, o “mártir” governa. E como governa. O projeto autoritário que Bolsonaro representa avança a cada dia sobre o Brasil com velocidade assombrosa.
Os milhares de indígenas que desde 2004 ocupam Brasília em abril para o Acampamento Terra Livre, uma tradição que Bolsonaro chamou de “encontrão de índios”, neste ano estão sendo “recepcionados” pela Força Nacional. O Mártir decidiu com seu general favorito, Augusto Heleno. Seu ministro de estimação, Sergio Moro, assinou. Por 33 dias a Praça dos Três Poderes e a Esplanada dos Ministérios serão defendidas do povo por uma força especial. Mas o Brasil continua sendo uma democracia.
O Mártir quer abrir as terras indígenas para soja, gado, mineração e grandes obras. Em vez de floresta amazônica um lindo pasto, uma soja a perder de vista, uma ferrovia gigante, uma cratera de mineração ainda mais fabulosa, com artísticas montanhas de resíduos tóxicos como legado para a posteridade. O planeta agradece e frita como resposta, mas aquecimento global, segundo o chanceler do Mártir, é “complô marxista”. Para os sábios do governo do Mártir, qualquer pessoa sensata pode perceber que o clima está como sempre foi, o Rio de Janeiro que o diga. Por isso Ricardo Salles, aquele que atende pelo nome de ministro do Meio Ambiente, mal entrou e já foi extinguindo a Secretaria de Mudanças do Clima e Florestas. Não precisa, né? Ele também já explicou de cara que “a discussão sobre aquecimento global é secundária”. Isso com os cientistas mais importantes do mundo afirmando que temos apenas 11 anos para tentar impedir que o planeta aqueça mais de 1,5 graus Celsius. Mas o Brasil segue sendo uma democracia.
Porque é muito magnânimo, o Mártir assegurou aos indígenas que eles são humanos como eleNa semana passada, o Mártir promoveu um encontro transmitido em uma “live” nas redes sociais, com indígenas escolhidos a dedo, onde assegurou, mais uma vez, que eles são humanos como ele. “Com todo o respeito, alguns querem que vocês fiquem na terra indígena como se fossem um animal pré-histórico. Não é pré-histórico não, vocês são seres humanos. Na minha cabeça tem exatamente o que tem na tua cabeça, o teu coração é igual ao meu coração”, garantiu. Aparentemente os indígenas tinham dúvidas sobre se eram humanos ou não até o Mártir, magnânimo como todo Mártir, esclarecer.
Antes do início da “live”, os indígenas foram orientados a “evitar usar a palavra garimpo e usar mineração”, palavra muito mais palatável para os propósitos de derrubar a floresta para explorar o subsolo. Os escolhidos foram apresentados como lideranças, mas o povo yanomami já enviou uma carta avisando que o indígena que apareceu por lá não representa nenhuma comunidade. Da boca do Mártir só saíram pérolas. Como esta: “Por exemplo. Tem uma terra indígena aí que possa fazer uma usina hidrelétrica. Se vocês concordarem, é coisa rápida! A decisão tem que ser de vocês, sem intermediários. (...) Não tem problema nenhum. Faz o negócio, faz o preço, faz seguro. E toca o barco. (...) Vocês têm bastante terra. Vamos usar essa terra. (...) Nós queremos a liberdade de vocês”. No meio da conversa, lembrou : “Tem que mexer em leis, lógico, vai depender do parlamento, a gente vai buscar leis para mudar isso aí”. “Isso aí” é a Constituição. Mas o Brasil continua sendo uma democracia.
Com um canetaço, o Mártir decidiu deletar centenas de conselhos sociais com participação popular. Estes conselhos – formados por representantes da gestão e representantes da sociedade civil, gente com experiência nas respectivas áreas, entidades com atuação reconhecida – acompanhavam, debatiam e influenciavam as políticas públicas. São especialmente importantes em áreas invisibilizadas, como as relacionadas à população de rua, indígenas e LGBTI. Sem serem remunerados para isso, os conselheiros só recebiam transporte e diária. Eram a voz da sociedade no Governo. E a voz da sociedade foi silenciada. Mas o Brasil continua sendo uma democracia.
A reforma da Previdência é apresentada como a salvação do país. Tudo indica que o Armageddon pode ser antecipado caso a reforma não for aprovada. Mas quando é exigido que o Governo apresente os dados técnicos em que se baseou para construir a proposta levada ao legislativo, o Mártir, pelas mãos do Posto Ipiranga Paulo Guedes, decreta sigilo sobre o material até a aprovação. A lei altera a vida de todos os brasileiros, mas aos brasileiros é negado o direito de conhecer as informações que poderiam justificar a lei. São informações públicas, obtidas por funcionários públicos com dinheiro público, mas o Mártir determinou que nem os legisladores nem o povo podem vê-las. Aprova primeiro, prova depois. Mas o Brasil continua sendo uma democracia.
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