quarta-feira, 10 de junho de 2015

Coxinha!


Por aqui, a gente fica feliz quando recebe visita dos conterrâneos. Amizade verdadeira ignora fronteiras e despreza distancia. Receber amigos no aeroporto vale a pena. Sempre. E muito.

Naturalmente, o primeiro assunto da conversa, ainda no saguão da saída, é como estão as coisas na terrinha. E, nestes tempos bicudos, as noticias, parece, não são boas. Otimismo é coisa rara, alegria difícil. A realidade não tem cooperado.

E foi neste momento que aconteceu. Um desconhecido, também conterrâneo, tendo também chegando a Vancouver, nos abordou para, (segundo ele) com todo o respeito, discordar do pessimismo.

Tudo indica não se tratava de um otimista desavisado. Na melhor das hipóteses, alguém cujas crenças são tão fortes que a realidade deixou de lhe interessar faz muito tempo. Na pior das hipóteses, sua falta de contato com o mundo real era resultado de algum tipo de loucura no sentido clinico da palavra.

Descrevia um lugar onde a perfeição, embora ainda não atingida, era apenas uma questão de tempo. Orgulhosamente, dizia que, nestes dias, o surto de prisões e indiciamento é resultado de vontade genuína dos governantes de combater os malfeitos (até hoje não entendi porque se usa esta palavra).

Neste paraíso terreno, os governantes elevaram a integração vertical no combate a malfeitos (somente para a gente não mudar a terminologia) ao estado da arte. O mesmo grupo fornece os malfeitores, supervisiona a execução dos malfeitos, providencia a prisão, e se orgulha de todo o processo.

Os problemas, dizia, tinham sua origem em uma combinação de fatores pouco definidos coordenados por um grupo de pessoas para proteger interesses estrangeiros. A crise, enfim, é culpa dos outros. De preferencia dos outros países.

Queixou-se da intolerância. Falava sem parar. Sem pontos ou vírgulas. Disse que o governo é vitima de campanhas baseadas em ódio, preconceito e intolerância. Perseguição sem razão, devido apenas a uma mistura de ignorância e conspiração internacional.

A situação pedia fuga rápida. Mas nosso interlocutor, prevenido, tinha o habito de segurar suas vitimas pelo braço. Provavelmente para prevenir a fuga das vitimas de suas palavras. Nós, afinal, certamente não éramos suas primeiras vitimas. Outras no passado lhe devem ter escapado.

Em momento de distração, soltou meu braço. Aproveitei a deixa, me desculpei e me despedi. Tenho que ir, disse. Andei alguns metros. Ouvi o grito: “Coxinha! ”.

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