Trump e toda a convenção republicana apresentam-se como os ungidos de Deus, que, pelos vistos, entrou nas eleições americanas para apoiar um narcisista patológico. Que Deus o tenha salvo da bala muito bem, é sua obrigação, mas uma outra coisa é Deus ser agora da equipa MAGA. É por isso que suspeito que, cumprida a obrigação de Deus, entrou em cena o Diabo disfarçado de Deus, de boné MAGA na cabeça, e sentou-se na primeira fila para lançar o mundo no caos e na escuridão. Vem na Bíblia em Coríntios, 2, 12:14, “o próprio Satanás disfarça-se de anjo da Luz”.
Se Trump ganhar as eleições, o mundo vai conhecer uma crise que pode ser daquelas que marcam o fim de uma era. Estou a ser catastrofista? Podem ter a certeza de que sim, estou. E, para mim, pouco valem os argumentos desculpatórios, como o de que a democracia é assim, o povo pode querer votar no Diabo, que se ele for eleito não há volta a dar, é a democracia. Não, não é. Não basta sequer apresentar o precedente de Hitler, porque a democracia não se limita ao voto popular, é o voto popular mais o primado da lei e dos procedimentos democráticos legais. As democracias não se esgotam no voto, podendo os eleitos fazer o que quiserem, sem lei nem limites ao seu poder. Isso não é democracia, mas demagogia.
Trump poderá ter a legitimidade para governar, mas não tem legitimidade para fazer o que quiser, para se substituir à lei e à Constituição, actuar como um ditador pessoal, que está acima da lei, e ser “ditador por um dia”, vingar-se dos seus adversários e entender a sua imunidade como podendo matar alguém em plena 5.ª Avenida como uma vez afirmou. Mas, quando se apresenta um homem como sendo a mão terrestre de Deus, a pressão sobre a democracia é global, porque a vontade do ungido é que é a lei. O que vale a democracia quando é a mão de Deus que está a actuar?
Trump tem os seus fiéis, OK. Mas a força de Trump não vem só daí, ela estende-se por toda uma mancha de minimizadores, que fazem a expressão wishful thinking ganhar um pleno sentido. Nestes dias, ouvi todas as versões de explicações e justificações do tipo que, afinal, há um exagero na avaliação de Trump, ele não vai fazer nada daquilo que diz que vai fazer, a OTAN e a Europa podem estar descansadas, a Ucrânia poderá, no limite, continuar a defender-se, e as instituições americanas são suficientemente fortes para o travar.
Será que se esquecem de um homem que não aceita os resultados eleitorais quando perde, tentou de forma ilegal mudá-los, que impulsionou uma tentativa de golpe de Estado a 6 de Janeiro de 2021, que ameaça com uma guerra civil, que se gaba de ter consigo os americanos que têm armas, que violou e viola todas as leis, comete fraudes como quem respira e acha que tem imunidade para fazer tudo o que quer, pela forma como moldou o Supremo Tribunal e os juízes que escolheu, politizando a justiça sem paralelo no passado, e que mostra claros sinais de desequilíbrio narcisista apresentando-se sempre como o “melhor”, “maior”, o “mais amado”, o “único capaz”, mentindo sobre tudo, dos números do crime e da imigração à sua performance no golfe. Será capaz de querer ser outro, ou de ser outro?
Tudo será grave mal ele ganhe as eleições, começará a vingança interna no minuto seguinte e, na hora seguinte, entregará a Ucrânia a Putin. Há os que dizem que Trump é “transaccional”, ou seja, se os aliados dos EUA pagarem os custos relativos à sua defesa, não haverá mudanças significativas na política americana face à OTAN e à Rússia. Duvido muito. O célebre plano para acabar a guerra na Ucrânia, e de passagem por Gaza, passa por dar a Putin e Netanyahu o que eles querem sem restrições, quando muito um qualquer acto de vassalagem ao génio da política internacional, Trump.
Há um homem que conhece bem Trump: Putin. Sob todos os aspectos. E há outro que conhece a vaidade de Trump, e isso basta: Kim Jong-un. Ambos sabem como manipulálo, embora no caso de Putin possa haver mais do que isso. Ambos querem o mundo a seus pés, a Ucrânia derrotada, a Europa subjugada, toda a terra e mar à volta da Coreia do Norte sob a chantagem nuclear da monarquia cruel iniciada por Kim Il-sung. Ambos sabem que o seu melhor instrumento é um homem, Trump, que acha ele próprio que manda em tudo e que comprou o espelho da Rainha Má a Elon Musk, que fez um espelho muito especial, que lhe responde que é sempre o melhor em tudo. Nestas coisas o Diabo é mesmo bom.
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