domingo, 29 de outubro de 2023

Entre a sede de vingança e os horrores da guerra

Circula nas redes sociais a foto de dois meninos de mãos dadas, um com a camisa azul de Israel e seu quipá, e outro com a bandeira palestina e seu lenço quadriculado. É uma mensagem utópica: a convivência fraterna entre palestinos e israelenses. O presente na Palestina é absurdamente distópico. Na guerra da Faixa de Gaza, ambos os lados têm lugar de fala, com um rosário de argumentos para ir à guerra. Entretanto, nada justifica o ataque terrorista do Hamas ao território de Israel, nem legitima o massacre de civis palestinos, principalmente crianças, mulheres e idosos pelo Exército israelense. É uma espécie de Lei de Talião ao quadrado: olho por olhos, dente por dentes.

Havia um “tit for tat” na relação de Israel com seus inimigos na região. A expressão vem do holandês dit vor dat, “este por esse”, que corresponde à expressão latina quid pro quo — “uma coisa pela outra”. Consistia numa política que alternava retaliação ao Hamas, sempre que havia uma agressão, e cooperação tácita, após o cessar-fogo. Essa estratégia enfraquecia a Autoridade Palestina, inviabilizava a criação de um Estado palestino independente e possibilitava a colonização nos territórios ocupados por Israel na Cisjordânia. Entretanto, saiu do controle. O Hamas se fortaleceu e promoveu um violento ataque terrorista, que pegou de surpresa o governo de Benjamin Netanyahu.

Não há dúvida de que Israel será vitorioso contra o Hamas, graças ao seu poderio bélico, que inclui armamento nuclear, e o apoio militar e diplomático dos Estados Unidos, que inibe ação dos demais inimigos de Israel, principalmente o Irã. O pronunciamento de Netanyahu, ontem, mostra a disposição de levar a guerra às últimas consequências, ou seja, reduzir a Faixa de Gaza a escombros. A ofensiva em Gaza é tratada pelo governo de Israel como uma segunda guerra da independência.


É uma remissão à Guerra do Yom Kippur, em 1973, quando a Síria e o Egito invadiram Israel, cujo bastidor é retratado no filme Golda — A mulher de uma Nação, com a atriz Helen Mirren. O diretor Guy Nattiv conduz a narrativa para mostrar um modo de fazer política no qual o objetivo de salvar o país e resgatar seus soldados presos, porém, nunca esteve descolado da ambição de conquistar o reconhecimento diplomático e um acordo de fronteira com o principal agressor, o Egito.

Golda Meyerson, Mabovitch quando solteira, nasceu em Kiev, na Ucrânia, em 3 de maio de 1898. Ainda criança, emigrou com os pais para os Estados Unidos (1906) e, em 1921, estabeleceu-se na Palestina. Ali, começou a trabalhar para a criação do Estado de Israel, aliando-se ao movimento sindical Histadrut e ao Partido Trabalhista (Mapai). Foi embaixadora na União Soviética, ministra do Trabalho, chanceler e secretária-geral do Mapai. Tornou-se primeira-ministra em 1969, após a morte de Levi Eschkols. De centro esquerda, o Mapai é sionista e social democrata.

Benjamin “Bibi” Netanyahu ocupa o cargo de primeiro-ministro de Israel pela terceira vez. Chefe do partido Likud, já havia liderado o país de 1996 a 1999 e de 2009 a 2021. Natural de Tel Aviv, é o primeiro-chefe de Estado que nasceu em Israel, em 21 de outubro de 1949. O Likud congrega a centro-direita e a direita conservadora. Foi criado em 1973, como uma coalizão liderada pelo partido Herut, que representa os sionistas revisionistas. Acusado de corrupção, Netanyahu enfrenta forte oposição popular, por causa de sua proposta de reforma do Judiciário, cujo objetivo é transformar a democracia de Israel num regime iliberal.

A retaliação de Israel ao Hamas ganha contornos de limpeza étnica, com a expulsão dos palestinos da Faixa de Gaza, que só não ocorreu ainda porque as fronteiras com o Egito estão fechadas. Em tese, só haverá paz quando a sede de vingança for ultrapassada pela consciência dos horrores da guerra. E as crianças que aparecem na foto, qual o destino delas? Sem um acordo de paz que possibilite a erradicação do terrorismo e a criação do Estado palestino, serão inimigas pelo resto das suas vidas?

Em setembro de 2015, a imagem de outra criança viralizou nas redes sociais: o corpo de Alan Kurdi, de 3 anos, amanheceu numa praia da costa da Turquia. A foto de Nilüfer Demi chocou a opinião pública mundial e desnudou a tragédia humanitária que ocorre no Mediterrâneo, com milhões de refugiados. Abdullah Kurdi, com a mulher e dois filhos, naufragou num bote de borracha no qual embarcara em Bodrum, na Turquia, para chegar a Cós, ilha grega no Mar Egeu. O objetivo da família era migrar para o Canadá e começar uma nova vida, com ajuda de Teema, tia do menino, que lá trabalhava como cabeleireira em Vancouver. Somente Abdullah sobreviveu. Poderiam ter feito esse trajeto de avião, mas não tinham passaportes. Como os curdos da Turquia, os palestinos da Faixa de Gaza serão tratados como párias.

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