domingo, 17 de janeiro de 2021

Todo dia tem um novo fim do mundo

Leio num jornal português a terrível manchete: “O vórtex polar quebrou.” Assustadíssimo, googlo no celular “vórtex polar”. A seguir envio um SMS à minha irmã, radicada em Portugal: “Atenção: o vórtex polar quebrou!”.

“Que horror!”, responde ela. Consigo imaginá-la a googlar desesperadamente “vórtex polar”. Segundos depois chega a resposta: “Ha, ha, ha! É só frio! Muito, muito, muito frio!”

Não há nada como a ameaça de um bom fim do mundo para relativizar tudo. Sim, os europeus estão enfrentando um frio glacial, na sequência de um fenômeno atmosférico conhecido como quebra do vórtex polar.

Há alguns dias, Madri despertou enterrada na neve. Em Lisboa, a capital mais quente da Europa, a mais africana, a mais crioula, festeira e tropical, os termômetros desceram abaixo do zero grau.

Se eu tivesse lido a mesma manchete há cinco anos talvez não associasse a expressão “quebra do vórtex polar” a um cataclismo iminente. Talvez eu lesse “vórtex polar” e pensasse numa estação orbital colocada sobre o Ártico; numa marca de cerveja que acabasse de anunciar falência, ou num veículo tripulado por ursos polares.

Nos tempos que correm, contudo, todo o dia nos atiram à cara um novo fim do mundo. Ora é uma estirpe inédita do coronavírus, ora uma guerra nuclear, ora um cometa avançando a toda a velocidade de encontro ao nosso planeta.

Pelo menos no Brasil todos os cataclismos têm a mesma origem: Bolsonaro. Sugiro nomear os futuros ciclones com o nome de Bolsonaro. Ou de Jair. Ou de Messias. Messias 1, Messias 2, Messias 3. Os terremotos também. E os maremotos, os vírus mais perigosos etc..



Desculpem o desvio. Não desejo entrar em conflito com cataclismos. Prezo muito os cataclismos. Me lembro sempre de um conselho da minha avó: “Escolhe bem os teus amigos. Mas escolhe ainda melhor os teus inimigos.”

A quebra do vórtex polar serviu para forçar os cidadãos europeus a permanecerem em casa, mesmo antes dos governos dos respectivos países decretarem um confinamento obrigatório.

Também em Moçambique, onde vivo, foi anunciada na passada quarta-feira uma série de novas restrições, devido ao súbito aumento do número de pessoas infectadas com Covid desde o réveillon.

Em Moçambique morreram até agora 205 pessoas vítimas da pandemia, o que dá seis mortes por milhão de habitantes (já o Brasil tem perto de mil mortes por milhão de habitantes). Tendo estes números em atenção, parece legítimo dizer que Moçambique está muitíssimo mais avançado do que o Brasil no que diz respeito à gestão da pandemia.

Com um sistema de saúde pública muito frágil, o governo moçambicano, como a maioria dos governos africanos, optou pela prevenção e o respeito pela ciência. Foi tomada uma série de medidas de contenção, desde o rápido encerramento de fronteiras ao uso generalizado de máscaras.

Entre as restrições agora anunciadas, a que mais me custa é a interdição das praias. Depois penso nos pobres europeus, fechados em casa não apenas por causa da pandemia, mas também devido ao frio intenso, e me conformo.

Pelo menos eu posso subir ao terraço e me estender ao sol. De preferência, com um bom livro nas mãos.

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