sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Depois da devastação

Não se podem menosprezar os efeitos do vírus que em poucos meses matou mais de 1 milhão de seres humanos, dos quais 155 mil brasileiros, desarticulou a economia e provocou atraso no progresso. Além da perda irreparável por morte, a maior devastação será na educação. Todos voltarão à escola com apagão cognitivo que muitos jamais vão superar. Milhões nem voltarão às escolas neste ano, milhares abandonarão os estudos, outros as encontrarão fechadas ou sem professores.



É equívoco responsabilizar a Covid-19 pelo agravamento da desigualdade educacional, porque ela sempre foi tão grande que é impossível ter piorado. É como dizer que a desigualdade aumentava entre a senzala e a casa-grande em momentos de epidemia. Os senhores tinham mais remédios, menos promiscuidade sanitária, mas a desigualdade entre eles e os escravos era tão abismal que não piorava. A epidemia mostra a desigualdade, não piora.

Nossa desigualdade educacional não decorre do vírus, mas do descuido histórico com a educação dos pobres. Não é por causa da Covid que 12 milhões de adultos não sabem ler “Ordem e Progresso” escrito na nossa bandeira. Também não foi o vírus que deixou 100 milhões de analfabetos funcionais. A Covid pode provocar desigualdade entre os que estão em algumas das raras escolas que se adaptaram ao ensino remoto e os que estudam em outras que não se adequaram ao ensino a distância, mas a grande desigualdade já existia.

A Covid devastou tanto a educação que pode até ter diminuído a desigualdade, ao rebaixar a educação dos ricos. Foi como se houvesse um terremoto numa cidade, destruindo a moradia de todos, mas diminuindo a desigualdade, ao nivelar por baixo, deixando bairros nobres sem suas casas, sem água nem esgoto, como já estavam bairros pobres. O terremoto não aumenta a desigualdade que existia, agrava-a na reconstrução que começa acelerada pelos bairros nobres. É isso que pode ocorrer agora com a educação, aumentando a desigualdade a níveis ainda piores que antes da epidemia.

Nossa tarefa é iniciar a reconstrução do sistema devastado pela escola pública que atende a quase totalidade de nossas crianças. O caminho da reconstrução vai exigir uma estratégia para substituir os frágeis sistemas municipais por um robusto sistema público federal. Fazer a revolução que substituirá a atual “pedagogia teatral” por nova “pedagogia cinematográfica” que use recursos da teleinformática dos bancos de dados e de imagens, da inteligência artificial, dos efeitos especiais.

O vírus devastou toda educação e mostrou uma desigualdade que já existia por nossa culpa. Aproveitemos para despertar à necessidade de o Brasil dar um salto na qualidade da educação e fazê-la equitativa, independentemente da renda e do endereço de cada criança.

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