Não foi bem assim. Com a esquadra de Cortés viajou, além de um exército, um notário real, cuja função era assegurar que a posse das novas terras pela Espanha obedecesse a todos os trâmites legais — da Espanha. A rendição de Montezuma fez parte do embasbacamento que precedeu à chacina. Uma cultura fundada na cerimônia como a asteca teve seu primeiro encontro com uma cultura legalista e não resistiu. Um império de gestos rígidos mostrou-se impotente diante de um império de palavras maleáveis e foi enrolado pelo jargão jurídico antes de perder a guerra e a terra.
Em toda a conquista da América repetiu-se a formalidade da leitura do “Requerimento” que proclamava a posse da terra pela Coroa espanhola e a transformação dos nativos em seus súditos. Se os nativos não estivessem presentes na leitura do “Requerimento”, não importava: o notário estava lá e daria fé.
Cristóvão Colombo declarou formalmente diante de índios caribenhos que tomava posse das suas ilhas para o rei da Espanha “y no me fué contradicho”, como ele mesmo escreveu depois. Argumentar que ninguém ali poderia contradizê-lo porque nenhum nativo tinha ideia do que ele estava dizendo seria apelar para o bom senso, algo sem nenhuma majestade histórica. A conquista europeia da América deixou, entre outras, a tradição da lei como instrumento de enrolação.
Em toda a América persiste a mesma divisão entre brancos e índios dos tempos de Cortés e Montezuma. De vez em quando, um se recusa a ser embasbacado e tenta contradizer a hipocrisia reinante, mas nunca vai longe.
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