segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Witzel encontra paz e amor na matança

Para que policiais do Rio de Janeiro ganhassem bônus semestrais, um dos fatores levados em conta era a redução do número de mortes causadas pelas forças de segurança. Não é assim desde a terça 24. Como informou naquele dia o colunista de ÉPOCA Guilherme Amado, o governador Wilson Witzel retirou o indicador do cálculo.

Na prática, ele criou novo incentivo para que se mate mais. De janeiro a agosto deste ano, 1.249 pessoas perderam a vida em confrontos com a polícia, aumento de 16,2% em relação ao mesmo período de 2018.

E não entram na soma as “balas perdidas” que fazem vítimas fatais durante operações. Cinco crianças morreram de fevereiro para cá. A quinta foi Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, no Complexo do Alemão.

Parentes e testemunhas sustentam que saiu da arma de um policial a bala que a atingiu. Apenas três dias após a morte da menina, Witzel mandou publicar no Diário Oficial a mudança no cálculo dos bônus. Acaso ou sadismo?


O governador já levara mais de 48 horas para comentar o que ocorrera com Ágatha. Quando o fez, na segunda 23, foi para dizer que sua “política de segurança é exitosa”, que está reduzindo o número de homicídios no Estado a “patamares civilizatórios” (2.717 de janeiro a agosto) e que “é indecente usar um caixão como palanque” – exatamente o que ele fez ao comemorar na Ponte Rio-Niterói a morte do sequestrador de um ônibus, em 20 de agosto.

No Brasil de 2019, está difícil se espantar com gente que saliva ao falar em morte. Banalizou. Mas é preciso perseverar.

No sábado 28, o Globo publicou em seu site uma entrevista com Witzel, dada na Área VIP do Rock in Rio. Vale comentar cinco trechos.

“Os grandes eventos trazem visibilidade para o Rio e trazem turistas que passam a ver os efeitos de nossa política pública de segurança. Eles começam a enxergar como o Rio de Janeiro está sendo pacificado, com a polícia na rua, as pessoas mais felizes, o clima mudando no Rio de Janeiro. E, como a gente diz, virando o jogo.”

Pacificado? Ao menos dez pessoas são assassinadas diariamente no Estado, e a polícia mata mais cinco. Se alguém está mais feliz, talvez sejam ele e sua mulher, que aparecem sorridentes na foto de divulgação.

“Eu sou uma pessoa que não fica intimidada diante de desafios. Quero um Rio de Janeiro pujante o ano todo.”

Pujança é igual a matança?

“Estou em contato com o prefeito de Miami para me aproximar da Disney. O Rio pode ter uma visibilidade maior lá para trazer o turista para cá. Tem a conversa para trazer um parque da Disney aqui. Em Guaratiba há uma área que pertence à Igreja. São cinco milhões de metros quadrados.”

O governador sabe bastante bem que Guaratiba é dominada por uma milícia. Ele vai oferecer esse modelo de segurança à Disney? O parque da Disney movimentará ainda mais os negócios da milícia? Assim como na Copa e na Olimpíada, o cidadão fluminense vai pagar o pato e ficar com cara de pateta?

“O sambódromo pode ter um carnaval fora de época, que pode ser outubro, para aproveitar a criançada. Podemos fazer um carnaval junino, com as quadrilhas. O Rio de Janeiro já teve 800 quadrilhas e hoje tem 80.”

Ágatha e outras crianças que estão morrendo por causa da política de segurança “exitosa” de Witzel não vão poder brincar o carnaval fora de época. Já quadrilhas nunca faltarão no Rio. Se o número caiu é porque a riqueza nesse ramo está mais concentrada.

“Também penso em fazer um grande evento das polícias, uma demonstração das forças operacionais da polícia, com aeronaves, com o corpo de bombeiros. A população gosta de participar.”

Esses eventos têm sido diários, com policiais disparando de helicópteros sobre favelas. A população, inclusive crianças, participa tentando se proteger das balas. Já não é suficiente?

Como reportagem publicada pelo Globo neste domingo explica, o que Witzel está conseguindo, com seu governo anticivilizatório, é ganhar projeção nacional. Sonha ser presidente para, quem sabe, federalizar as Ágathas.

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