segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Amazônia ganha aspecto de Mãe Joana's House

Existem muitos tipos de ingenuidade. Dois são mais constrangedores: a dos que creem em toda boa intenção e a dos que veem segundas intenções em tudo. O deputado Eduardo Bolsonaro revelou-se um ingênuo de mostruário. Conseguiu reunir numa mesma pessoa os dois piores tipos de ingenuidade.

Candidato a embaixador em Washington, o filho 03 do presidente liderou uma missão brasileira à Casa Branca. Avistou-se com Donald Trump. Na saída, disse que ele "aceitou nossa proposta de trabalhar conjuntamente para desenvolver de forma sustentável a Amazônia".

Com clarins implantados na traqueia, Eduardo apregoou o que julga ser uma boa nova: "Todos os líderes que tentarem subjugar a soberania nacional encontrarão problemas não só com o Brasil, mas também com os Estados Unidos". Foi como se a conversa no Salão Oval tivesse transformado a Amazônia num protetorado americano.



Simultaneamente, Eduardo esconjurou o socorro ambiental dos países do G7. Mimetizando o pai, demonizou o presidente francês Emmanoel Macron, porta-voz da oferta. "Não podemos aceitar, no Brasil, Macron falando e atentando contra nossa soberania nacional, depois querer fazer algum tipo de ajuda, porque não é uma ajuda que vem de bom coração. Isso é um desrespeito aos brasileiros, seria subjugar nossa brasilidade aceitar esse tipo de ajuda".

No Twitter, Jair Bolsonaro celebrou: "Brasil e Estados Unidos nunca estiveram tão alinhados". Quer dizer: para o filho 03 e seu pai, Trump é um amigo de bom coração que precisa ser cultivado. Quanto a Macron, o ideal é colocar um ódio amazônico entre o Brasil e a falsa generosidade do neo-colonizador francês.

Quem quiser entender o que se passa precisa analisar a conjuntura manuseando todo o leque de hipóteses —das piores às melhores.

Na pior das hipóteses, os Bolsonaro perseguem o sonho da submissão a Trump porque são capazes de tudo para transformar preservação da floresta num outro nome para exploração predatória de recursos naturais.

Na melhor das hipóteses, depois que o governo desprezou doações ambientais de R$ 283 milhões de Noruega e Alemanha, os Bolsonaro jogam pela janela algo como R$ 83 milhões do G7 não por maldade, mas porque são incapazes de todo.

Em qualquer das duas hipóteses, o interesse público fica ao relento. Como se sabe, países não têm amigos, possuem interesses. Num momento em que Washington mede forças com Pequim, interessa a Brasília manter equidistância da briga, extraindo benefícios comerciais dos dois lados.

Numa fase em que o Mercosul se esforça para tirar do papel o recém-celebrado acordo comercial com a União Europeia, convém ao interesse nacional deixar Macron falando sozinho para sua plateia de agricultores protecionistas. É hora de aprofundar o diálogo com gente como a premiê alemã Angela Merkel, cujo pragmatismo interessa muito ao agronegócio brasileiro.

Em vez de esgrimir uma suposta aliança com os Estados Unidos contra uma hipotética ameaça à soberania nacional, Bolsonaro deveria retirar a Amazônia das manchetes internacionais. Basta fazer o oposto do que vem realizando: restaurar o aparato fiscalizatório no setor ambiental, silenciar motosserras e apagar incêndios.

Ou o governo é soberano e restaura a ordem na Amazônia, ou terceiriza a soberania nacional à Casa Branca, consolidando uma floresta que está ao deus dará como uma espécie de Mãe Joana's House.

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