quarta-feira, 14 de agosto de 2019

A ultradireita chega ao paraíso

Agora que alcançamos o oitavo mês de 2019, um pouco mais de 200 dias de gestão do presidente Bolsonaro, vê-se que está em vigência a gestão mais ideológica desde a implantação da chamada Nova República no País. Só lembrando, esse é o nome do atual período político que começou em 1985, com a eleição indireta de Tancredo Neves, instalação da democracia e da estabilidade econômica. Nas eleições de 2018, a classe média ressentida com as condições de vida se consolou nos braços do populismo, deu mote ao discurso de ódio e alimentou o ultra conservadorismo. Hoje, a direitona é quem manda; falou, está falado; não tem discussão.


Nenhum governo, de 1985 para cá, foi mais ideológico que o atual, ao contrário do que o próprio presidente garantiu no discurso do dia primeiro de janeiro, quando tomou posse. Ele – ou “Ele”, se preferirem – disse, em português e na linguagem de libras, que a culpa de todos os males brasileiros era a ideologia. Como se ideologia fosse o espectro das esquerdas. “Ele” insistia que era preciso “livrar o país das amarras ideológicas” e culpou o “viés ideológico” pela corrupção e pela crise econômica. Fazer essa confusão de significados e de discurso era sua estratégia para barrar a atuação política das esquerdas e atribuir a esse segmento a responsabilidade pelos graves problemas sociais, torná-los inimigos públicos, e abrir alas para ele mesmo ser visto como um salvador da Pátria.

Desde as gestões de FHC, Lula e Dilma, o Brasil vinha caminhando – ora mais lento, ora mais rapidamente – no rumo das políticas afirmativas, das conquistas em favor das minorias, dos avanços da cidadania. Mesmo quando lenta, era uma caminhada constante. Mas, na campanha do ano passado, “ele” conseguiu implantar sua agenda de extrema direita, elogiando o uso da força para resolver questões de violência, enaltecendo a tortura praticada durante a ditadura militar; e pregando o moralismo como, por exemplo, a chamada “cura gay”. Eleito, passou a estimular o desejo de uma população nostálgica do uso da força a reviver a experiência militar no governo; e renovou sentimentos reprimidos de quem estava insatisfeito com o politicamente correto.

O critério de escolha dos ministros não levou em conta outra característica senão a ideológica. Não são apenas conservadores, pois conservadores (como os republicanos dos Estados Unidos) são aquelas pessoas que defendem mudanças letárgicas, em passo de tartaruga. Os principais assessores do presidente brasileiro são de extrema direita, que não incluem em suas projeções qualquer possibilidade de benefício aos trabalhadores.

O próprio presidente continuou na defesa do militarismo, do uso de armas de fogo pela população, de torturadores, e provocando as famílias dos desaparecidos da ditadura. O governo não vacilou um segundo, nesses oito meses, em impor o seu modelo econômico e de dominação. Sejam nas questões ligadas às medidas econômicas (privatização acima de tudo e capital acima de todos); no que diz respeito ao meio ambiente (nunca na história deste País se devastou tanto a Amazônia); no desrespeito às minorias (povos indígenas); no ataque aos avanços da população LGBT; na defesa da volta da condição da mulher ao modelo dos anos 1950. E o sentimento de xenofobia encontrou ressonância em integrantes do governo.

Até o projeto de reforma da previdência, praticamente aprovado pelo Congresso Nacional, está sustentado no princípio de que é preciso conter os direitos do cidadão, visando um suposto benefício geral do País. A PEC é justificada pelo crescimento pífio do PIB, pela retomada do crescimento econômico, pelo reequilíbrio das contas públicas. Mas não levou em conta as necessidades do trabalhador. Ninguém fala que o déficit tem razões históricas e é decorrente, sobretudo, da dívida de grandes empresas para com a previdência.

Mas, será que a ultradireita sobrevive? Como nós estamos num país com características próprias, isso vai depender em grande parte do órgão mais sensível do corpo humano: o bolso. A continuação da gestão do presidente Bolsonaro ou a ascensão de um futuro sucessor está condicionada ao desempenho da economia. Se o povo sentir que as condições de vida estão cada vez piores, que sobra mais dia do que salário no final do mês, que o atual governo não oferece resposta para seus problemas e afunda, a cada dia, a situação social injusta; não haverá ideologia que o salve.
Cícero Belmar

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