sexta-feira, 3 de maio de 2019

'Deus vult': uma velha expressão na boca da extrema direita

“Deus vult”, expressão do latim que em português significa “Deus quer”, vem estampando camisetas, textos, tatuagens e tweets da extrema direita mundial desde que Donald Trump resolveu se lançar candidato à presidência dos EUA, em 2016.

O termo, que data do início do milênio passado (1095), faz referência ao grito do povo em resposta ao papa Urbano II, quando do anúncio da Primeira Cruzada pelo pontífice, explica Paulo Pachá, professor de história medieval da Universidade Federal Fluminense (UFF) nesta entrevista à Pública.

Pachá, autor do artigo Por que a extrema direita brasileira ama a Idade Média europeia, avalia que esse discurso medieval envolve uma série de preconceitos como racismo, homofobia, islamofobia e machismo. “Essa Idade Média aparece como um passado idealizado por esses grupos, onde você teria uma sociedade que é majoritariamente, se não exclusivamente, branca, cristã e patriarcal.”

No Brasil, essa referência cruzadista tem sido utilizada por bolsonaristas na esteira da direita alternativa norte-americana, também conhecida como alt-right. “Está decretada a nova cruzada. Deus vult!”, comemorou no Twitter o analista político Filipe Garcia Martins quando da vitória de Bolsonaro. Aluno de Olavo de Carvalho e atual assessor para assuntos internacionais da Presidência da República, Martins escreveu durante a posse: “A nova era chegou. É tudo nosso! Deus vult!”.

Estamos vendo nos últimos anos é como essas visões falsas e parciais sobre a Idade Média vêm sendo requisitadas para justificar atos de terror, massacres e todo tipo de opressão contra minorias. Se um discurso como esse frutificar, as consequências são essas

Além dele, outros apoiadores bolsonaristas têm feito uso da expressão. “Precisamos de um São Bernardo de Claraval [abade encarregado pelo papa de pregar a Segunda Cruzada] para animar novas Cruzadas. CHEGA”, escreveu o tuiteiro e youtuber Bernardo P. Küster, após ataques de terroristas muçulmanos contra cristãos no Sri Lanka em 21 de abril deste ano.

A produtora Brasil Paralelo, por exemplo, autora do documentário que relativiza o golpe militar, 1964 – O Brasil entre armas e livros, produziu recentemente uma série documental chamada Brasil – A última Cruzada, na qual apresenta uma interpretação de personalidades e pesquisadores de direita sobre a história brasileira. Também o portal Senso Incomum publicou no início de abril o podcast “Deus vult – As Cruzadas salvaram o mundo”, narrado pelo influenciador digital Flávio Morgenstern.

Apesar de estudar um período longínquo, Pachá acredita que “o discurso sobre o passado não é inócuo, ele tem consequências no nosso presente” e explica a seguir esse fenômeno que avalia não como revisão, mas sim negação da história e da ciência.

Vemos recorrentemente no discurso da extrema direita referências às Cruzadas e a uma “nova Cruzada” que estaria ocorrendo hoje. O que eles querem dizer com isso?

A primeira coisa é entender qual é o papel da Cruzada ou dessa nova Cruzada no pensamento da extrema direita, que é semelhante no Brasil, na Europa, nos Estados Unidos e na Nova Zelândia. Isso vem aparecendo de maneira congruente, o que é um pouco assustador.

Essas ideias de Cruzada e de Idade Média têm a ver com uma visão bastante idealizada e bastante parcial do que foi o período. O que atrai esses grupos é pensar que foi um tempo patriarcal, branco e cristão. Essa Idade Média nunca existiu, mas tem esse papel no pensamento desses grupos.

As Cruzadas são especialmente exaltadas porque são um momento no qual esses três elementos [patriarcal, cristã e branca] estão muito bem representados. Nessa visão das Cruzadas, você teria um movimento bélico liderado por um grupo visto como majoritariamente masculino; um elemento que envolve a questão religiosa — as Cruzadas como primordialmente um conflito religioso entre cristianismo e islamismo — e, além disso, a ideia de uma disputa plurissecular entre Ocidente e Oriente.

Recuperar as Cruzadas é desenvolver [uma narrativa sobre] como esses três elementos desempenharam papel fundamental durante a Idade Média. Você teria uma defesa da religião cristã contra o islamismo, um movimento militar — e, aí, todas as características de masculinidade, de virilidade, de força — e essa questão Oriente versus Ocidente, que leva à construção de uma ideia de civilização ocidental.

2 comentários:

  1. Eu acho que esse texto exagerou um pouco. Primeiramente, utiliza-se de uma caracterização negativa da Brasil Paralelo ao dizer que relativizaram o golpe militar, o que não foi o caso, mas mostraram dados pouco conhecidos ou citados até então com o fim de mostrar o outro lado da história. Além disso, que frase é essa de "você teria um movimento bélico liderado por um grupo visto como majoritariamente masculino"? Não é óbvio que todo movimento bélico da história da humanidade não só foi liderado como composto majoritariamente do sexo masculino? Por que o autor vive falando extrema direita ao invés de apenas direita quando temos exemplos desse extremismo muito piores do que ele afirma ser? E, por último, não acredito que esse movimento seja tão perigoso e preconceituoso quanto o texto diz, mas que sejam só piadas com um período histórico para fazer rir quem já estudou o assunto. Como prova do meu ponto de vista, dê uma olhada nos memes que são feitos. Muitas vezes a quase hipocrisia cruzada é demonstrada, como quando, em um deles, um padre fala para amarmos nossos inimigos, mas depois sai matando muçulmanos.

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