terça-feira, 7 de maio de 2019

A ordem é derrubar Santos Cruz; Heleno vem depois...

Hamilton Mourão, vice-presidente da República, está, digamos, "mais comportado". Já foi mais eloquente na exposição de pressupostos corretos sobre democracia e governança do que nos últimos dias. Atendeu a apelo de colegas generais da reserva que estão no governo. É inequivocamente audível que anda mais silencioso. Ponto para a ala porra-louca do bolsonarismo? É bem verdade que, em ambientes conflagrados como o deste governo — que, convenham, não precisa de uma oposição a lhe criar problemas —, o silêncio pode ser mais preocupante do que a loquacidade. Ocorre, meus caros, que os companheiros de farda de Mourão têm uma marca de origem no seu pensamento e na sua formação, uma verdadeira cicatriz, que os impede de entender o que está em curso. São, sim, herdeiros intelectuais do positivismo. Para eles, as ações, que têm de estar assentadas no conhecimento científico e na experiência, valem por seus resultados. O que é contraproducente escapa à sua compreensão. Ocorre que a política é coisa bem mais complexa do que isso.


Os generais não estavam preparados para ser alvejados pelo próprio governo — em particular, pelo presidente da República. E estão perplexos. Não sabem o que fazer. Mourão silenciou. O silêncio é inútil porque o ódio que os bolsonaristas lhe devotam não se resume ao conteúdo de suas intervenções. Seu grande defeito, aos olhos da turma, é outro: ele não pode ser demitido. E é o primeiro na linha sucessória. Silenciado Mourão, a ordem é pegar Santos Cruz, secretário de Governo. Desta feita, o objetivo é derrubá-lo. E, atenção para o que vêm agora: nas esferas mais altas da chamada "ala ideológica do bolsonarismo", não pensem que se nutre grande amor pelo também general Augusto Heleno, chefe do GSI (Gabinete da Segurança Institucional).

Os valentes o consideram inepto politicamente e o acusam de impedir que o presidente, como posso dizer?, seja ele-mesmo, autêntico. Sintetizo: para que Bolsonaro venha a ser aquele que a tal ala ideológica deseja, também Heleno tem de cair fora. Na cabeça dos malucos, chegará essa hora. Não suportam o fato de o general ser visto como uma espécie de consciência última do presidente, como se este estivesse sob a sua tutela. Não está, é bom que se diga. O chefe do Executivo, já escrevi aqui, queria o prestígio que lhe conferem as Forças Armadas. Mas já deixou claro que tem suas próprias — e más — ideias sobre o país e o mundo.

Ex-humorista distorce frase, e começa o massacre...

O ataque a Santos Cruz chega a ser espantoso porque se ressuscitou trecho de uma entrevista que ele concedeu há um mês à jornalista Vera Magalhães, do Estadão, em que dizia o seguinte sobre o uso das redes sociais pelo Planalto:

"Podem até ser um instrumento importante de governo, para a divulgação das suas ideias, dos seus projetos. Isso tem de ser feito. Mas tem de usar com muito cuidado, para evitar distorções, e que vire arma nas mãos dos grupos radicais, sejam eles de uma ponta ou de outra. Tem de ser disciplinado, até a legislação tem de ser aprimorada, e as pessoas de bom senso têm de atuar mais para chamar as pessoas à consciência de que a gente precisa dialogar mais, e não brigar."


É evidente que Santos Cruz não está pregando nenhuma forma de controle das redes sociais. Ele trata do disciplinamento do uso dessas ferramentas pelo próprio governo, no que está correto. Os bolsonaristas transformaram a fala do general numa espécie de defesa da censura das redes. E conseguiram emplacar no Twitter a hashtag #ForaSantosCruz, que passou a ser chamado, ora vejam!, de "comunista".

Quem pinçou trecho da entrevista e lançou no ar a dúvida sobre a suposta intenção do general de controlar as redes foi o ex-humorista, apresentador de televisão e prosélito de extrema-direita Danilo Gentili. E aí começou a pancadaria contra o general.

Pensam que Bolsonaro saiu em defesa do seu ministro? Não! Ele também partiu para o linchamento, ainda que indireto. Escreveu no Twitter: "Em meu Governo a chama da democracia será mantida sem qualquer regulamentação da mídia, aí incluída as sociais. Quem achar o contrário recomendo um estágio na Coréia do Norte ou Cuba". Não há alusão ao general. Mas precisa? Carlos Bolsonaro, o insaciável, que controla os perfis do pai, mandou ver também em seu próprio nome, com a delicadeza de pensamento característica: "A internet 'livre' foi o que trouxe Bolsonaro até á (sic) Presidência e graças a ela podemos divulgar o trabalho que o governo vem fazendo! Numa democracia, respeitar as liberdades não significa ficar de quatro para a imprensa, mas sempre permitir que exista a liberdade das mídias!"

Sempre que os Bolsonaros defendem a liberdade de expressão, eu me pergunto onde estão escondendo o revólver.
Leia mais a série de Reinaldo Azevedo 

Nenhum comentário:

Postar um comentário