Situações assim são rotina em várias partes da Europa. E, há alguns anos, vêm começando a incomodar moradores, diante de um processo conhecido como turistificação – o processo de transformação espacial e socioeconômica de regiões em detrimento do interesse turístico.
Moradores veem sua qualidade de vida sendo reduzida ao serem obrigados a conviver com turistas, muitas vezes barulhentos e que não respeitam as regras locais. Em diversas regiões, a turistificação provoca a expulsão de habitantes devido à explosão nos preços dos aluguéis.
Veneza é um dos exemplos mais gritantes. A cidade italiana perdeu praticamente a metade de sua população em apenas 30 anos. Estimativas apontam que, se esse desenvolvimento seguir o ritmo atual, pode ocorrer a "extinção" dos venezianos na cidade.
Não somente moradias foram destinadas ao turismo, mas também muitas lojas locais. A estrutura da cidade sofre ainda com a circulação de cruzeiros na região, que danificam mais as já fragilizadas fundações dos prédios locais, feitas de madeira sobre um terreno pantanoso.
Outras cidades europeias, como Lisboa, Berlim, Madri, Amsterdã e Dubrovnik, sofrem problema semelhante. Na capital da Islândia, Reykjavík, de 122 mil habitantes, os números dão uma dimensão do fenômeno: em 2008, recebeu 450 mil visitantes; uma década depois, a cifra passa de 2,5 milhões.
Em Barcelona e em Palma de Mallorca, o descontentamento levou moradores a protestar em meados do ano passado contra o turismo de massa. Os manifestantes levavam cartazes com os dizeres "o turismo mata" e chegaram a comparar a atividade com o terrorismo.
Em 2017, o turismo internacional movimentou 1,3 bilhão de pessoas pelo mundo, um aumento de 7% em relação ao ano anterior. O maior aumento (8%) foi registrado na Europa, que recebeu 671 milhões de visitas. A Organização Mundial de Turismo (OMT) prevê a continuação deste crescimento, que deve chegar a 1,8 bilhão em 2030.
"O grande desafio neste cenário é garantir um crescimento sustentável, incentivando mudanças no comportamento dos turistas, encorajando práticas sustentável e minimizando qualquer efeito adverso que o desenvolvimento da atividade possa causar nos destinos", afirma Sofía Gutiérrez, do Departamento de Desenvolvimento do Turismo Sustentável da OMT.
Diante dos atuais problemas e da perspectiva de crescimento, algumas cidades europeias procuram caminhos para conter o turismo de massa e, ao mesmo tempo, promover a atividade de uma maneira sustentável.
"As cidades querem o turismo, mas perceberam que há um limite e agora buscam soluções para conduzir a onda de turistas sem acabar com a atividade", acrescenta Frank Herrmann, autor do livro FAIRreisen - Das Handbuch für alle, die umweltbewusst unterwegs sein wollen (Viagem justa – Manual para todos que querem viajar com consciência ambiental, em tradução livre).
Já Amsterdã anunciou, em outubro de 2017, a proibição da abertura de novos estabelecimentos comerciais voltados para turistas no centro da cidade, como lojas de suvenires e restaurantes fast-food. Além disso, já havia banido a circulação de ônibus turísticos e cruzeiros na região central, além de proibir a construção de novos hotéis.
A capital holandesa, assim como Barcelona e Berlim, adotou ainda regras para banir o aluguel temporário de moradias e conter desta maneira a explosão nos valores dos aluguéis. A ascensão de plataformas digitais, como Airbnb, facilitou esse tipo de negócio, tornando essa disponibilização de moradias muito mais lucrativo do que o convencional em cidades com intensa movimentação turística.
Gutiérrez destaca que, com a revolução tecnológica, esses modelos de negócios continuarão se expandindo e, por isso, é necessário que os destinos entendam as realidades deste novo mercado e regulamentem suas operações caso a caso.
Amsterdã está entre os destinos pioneiros que investiram na regulamentação do serviço. A cidade estipulou que proprietários de imóveis podem disponibilizar apartamentos em plataformas digitais, como Airbnb, por apenas 60 dias, e a partir de 2019, somente por 30 dias.
Em Barcelona, o governo congelou a concessão de licenças para novos hotéis e trava uma batalha contra o aluguel ilegal de apartamentos. Em dezembro de 2016, a prefeitura chegou a multar o Airbnb em mais de 600 mil euros por disponibilizar no portal moradias que não estavam legalizadas.
Na capital alemã, uma legislação proíbe desde o ano passado esse tipo de negócio sem a autorização prévia da prefeitura. A proibição, porém, enfrentou resistência do Airbnb e de donos de imóveis que entraram na Justiça contra a medida. Berlim voltou atrás e aprovou nesta semana o aluguel temporário de apartamentos inteiros sem legalização junto à prefeitura por até 60 dias por ano. O aluguel de quartos é permitido sem restrições.
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