quarta-feira, 10 de agosto de 2016

A guinada à direita da internet no Brasil

Durante uma visita recente ao Brasil, o ativista espanhol Javier Toret Medina provocou: “os movimentos de esquerda daqui são inúteis na Internet”. Essa “inutilidade” teria ficado clara pela tímida presença de organizações como o Movimento Passe Livre na Internet durante os protestos de 2013.

Ao fazer a crítica, o ativista espanhol exagera, claro. Mas, ao mesmo tempo, toca em um ponto que tem chamado muito a atenção dos estudiosos do ativismo nas mídias sociais no Brasil: a crescente presença de indivíduos e organizações auto-intitulados de direita. São várias organizações que chegam à casa do milhão (milhões!) de seguidores nas suas fan pages do Facebook, deixando para trás organizações com muito mais tempo de ativismo e com maior enraizamento na sociedade civil.

Pawel Kuczynski
Se olharmos para partidos e, principalmente, para legisladores, a diferença também é gritante. Entre os deputados federais e senadores com maior presença na Internet, a grande maioria está filiada a partidos à direita do espectro político. São super usuários da Internet que utilizam as mídias sociais como plataformas para criar agenda, difundir informações, lançar campanhas e recrutar simpatizantes.

E a esquerda?

O que explica essa aparente indiferença de setores progressistas frente à Internet no Brasil? Ainda não temos boas pesquisas sobre o assunto, mas arrisco dizer que são várias as razões dessa diferença de comportamento com relação ao caso espanhol. Para começar, na Espanha a forte presença da esquerda na Internet era fruto de uma forte presença nas ruas e nas praças. No caso brasileiro, desde 2013 as ruas têm sido dominadas por setores mais conservadores.

Outra coisa importante, que separa o caso brasileiro do espanhol como um abismo, é que metade da população brasileira ainda não está conectada à Internet. Sem falar das limitações de acesso e uso daqueles que estão conectados. Portanto, qualquer comparação tem que ser feita com cuidado.

Exageros e diferenças à parte, o ativista espanhol tem razão na sua crítica, porque parte da ausência (ou melhor, da presença tímida) na Internet não tem a ver com a exclusão digital e nem com a crise da esquerda. Tem a ver com decisões tomadas por ativistas e por organizações, que refletem uma visão equivocada dos impactos da Internet. Por exemplo, é comum escutarmos um certo desprezo nas análises sobre os impactos das mídias sociais. O ativismo “de verdade” seria o velho ativismo das assembleias, das reuniões presenciais, do corpo-a-corpo das campanhas. O ativismo na Internet seria limitado ao “ativismo do sofá”, aquele que não passa do clique no teclado. E pior: o ativismo no Internet contribuiria para esvaziar as organizações e os espaços de debate presenciais.

Como já discutimos nesta coluna, a Internet não é a panacéia. Está longe de ser a solução para todos os problemas de ação coletiva. E nem dá para generalizar os seus impactos: as plataformas digitais são usadas de maneiras diferentes, e esse uso muda com uma rapidez que só as gerações mais jovens conseguem acompanhar, enquanto os mais velhos correm atrás do prejuízo.

No entanto, dar as costas para os novos tipos de ativismo que estão surgindo via Internet é tapar o sol com a peneira. É ignorar que a tecnologia pode, sim, ser instrumento de mudança social. É deixar de ocupar um campo de disputa, no qual o ativismo político está se reinventando.

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