domingo, 6 de setembro de 2015

Impichismo

Recapitulando, Lula perdeu para Collor e duas vezes para Fernando Henrique antes de assumir a presidência, mas o líder sindical, antes engolido pelo Caçador de Marajás, já não existia quando FH confirmou sua reeleição.

Mudar tom e aparência, noves fora a obstinação pelo poder, foram fundamentais para vencer em 2002. A partir de então, surfar no inegável carisma de Luíz Inácio, sem falar no cenário econômico favorável, apenas ajudou a propagandear um discurso fadado ao sucesso, o de um PT defensor dos pobres, monopolizador da moral superior, e com carta branca para determinar quem eram os inimigos do país.


Principalmente entre os brasileiros avessos à política, tão grotesca realidade foi absorvida sem ressalvas. Um comportamento até certo ponto previsível, se admitirmos nossa tradicional queda por posicionar-se ao lado do vencedor, mas que, pela primeira vez na história recente, possibilitou a um partido político extrapolar consideravelmente sua aprovação para além da própria militância. Era o surgimento do petismo como fenômeno nacional.

A reeleição de Lula e a eleição de Dilma, mesmo após o escândalo do mensalão, deram mostras de como a fidelidade ao partido ganhara solidez popular. Ainda hoje, as expressões de pesar quando patacoadas do tipo “o PT traiu seus ideais” são recitadas, comprovam que o petismo cambaleia, mas está vivo. No fundo, fazer um mea culpasequer passa pela cabeça do brasileiro desinteressado em política. E eu até entendo. Não deve mesmo fazer sentido ter de responder pelos dividendos de uma decisão dirigida.

Hoje em dia, porém, outro ismo ganha corpo, não perde fôlego e caminha no sentido inverso. Tem o mesmo caráter irracional, é tão movimento de manada quanto o petismo, igualmente instaura uma clima de arquibancada nos debates e não se preocupa em gerar discussão, apenas em apontar para o objetivo maior, neste caso, o impeachment de Dilma Rousseff.

O nível de insistência é de tal ordem, seja via blogs ou nos grupos organizados, e as palavras utilizadas para martelar o posicionamento tão ruins, que periga um sujeito desavisado acabar confundindo, instrumento previsto em lei, com opção trivial em menu executivo. Vende-se a idéia de que impedir um presidente eleito é sempre saudável, simples, e depende apenas do desejo do povo, de seu grau de indignação e força no gogó. Mesmo na imprensa, a arrogância em tentar doutrinar as pessoas não fica nada a dever à lavagem cerebral destilada pelo PT durante mais de uma década.

Na verdade, a raivosa cantilena pró-impeachment é um subproduto. Responde, antes de mais nada, à campanha de divisão social e racial reforçada pelo PT para permanecer no poder. Depois, ao apertado resultado das eleições, uma dor de cotovelo à época compreensível, mas hoje em dia tola, já que perder, restou evidente, nunca foi tão bom negócio. E por fim, ao dia a dia cada vez mais difícil, à falta de emprego e ao descortinar da Lava-Jato, trazendo consigo escândalos, milionários e bilionários.


Eu entendo a irrefreável vontade de finalmente responder ao petismo na mesma moeda, com o exato tom teatral, também adotando a retórica mais pueril possível para que seja bem assimilada e, enfim, consiga gerar a tsunami capaz de arrastar quem deva ser arrastado. Claro que entendo. Mas, neste embate entre radicalismos, anotem aí, quem está ganhando ainda é o PT.

Digo, enquanto os governistas advogam em causa própria, como sempre lançando mão de toda ginástica argumentativa possível para continuar dando as cartas, quem só quer saber de pedir impeachment, caso obtenham sucesso, acaba por preparar a cama do petismo.

Gastassem tanta energia para pedir que Lula fosse investigado, quanto gastam para pedir o impeachment de Dilma, aí sim, quem está no poder teria motivos para ficar preocupado. Não é à toa que o “Pixuleco” causou revolta e a faixa “impeachment já” nenhuma comoção. Se no primeiro caso a única resposta possível foi a violência, para quem pede o “Fora, Dilma!” já existe uma na ponta da língua: golpe.

O cenário é simples, enquanto uns ainda estão preocupados em construir massa de manobra para vencer jogo na marra, outros, mesmo debilitados, mantém as opções abertas para vencer o campeonato. A única coisa que precisam temer é a prisão de Lula. Se não ocorrer o impeachment, infelizmente terão de se virar com as investigações da Lava Jato, o desemprego, a recessão, e tentar minimamente recuperar a economia até 18. Caso Dilma seja impedida, céu de brigadeiro, deixarão os holofotes quentes e passarão três longos anos preparando-se para as eleições, com Lula se lançando candidato desde já e batendo na tecla do “golpismo”.

Que o Brasil não acabará amanhã, tampouco em três anos, não tenho a menor dúvida. A questão, pelo visto, parece ser a dificuldade de alguns em pensar a longo prazo.

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