Convidado, em 1989, a comentar os 200 anos da Revolução Francesa, Deng Xiaoping afirmou que a China não se pronunciava sobre eventos recentes. O que dizer, então, sobre o transe chileno?
Se a gente tomar Deng como modelo, todo artigo poderá ser reduzido a um “Só sei que nada sei”. E pronto! Evoque Sócrates, pegue seu banquinho e saia de mansinho.
A direita histérica resolveu apontar o dedo contra as esquerdas porque, afinal, o modelo econômico vigente naquele país é uma espécie de Disneylândia de certo entendimento de economia de mercado: direitos atrapalham o crescimento. E olhem que, por lá, a extrema direita teria de gritar: “A outra metade da nossa bandeira jamais será vermelha”.
Nunca há uma única razão para eventos dessa natureza. Assistam, a propósito, ao excelente filme “O Mês que Não Acabou”, de Francisco Bosco e Raul Mourão. Trata das jornadas daquele junho de 2013 no Brasil, lembram-se? Vê-se hoje que tais eventos —e isto digo eu, não é tese do filme—, trouxeram danos bem maiores do que o perigo. Estou entre as pessoas ouvidas.
Os protestos de 2013 fizeram um morto no Brasil: o cinegrafista Santiago Andrade. No Chile de 18 milhões de habitantes, já são 15, o que evidencia uma violência exponencialmente maior. Imaginem se, dados os nossos 210 milhões, 175 morressem cobrando isso ou aquilo do governo.
Não por acaso, o presidente Sebastián Piñera —que tonitruou, de início, um discurso que ecoava a era Pinochet— ensaia agora uma espécie de mea-culpa, reconhecendo disfuncionalidades no parque de diversões do livre mercado como um fetiche —e, pois, um vício.
A experiência dos chilenos com a violência política é muito mais traumática do que a dos brasileiros. A ditadura militar fez por aqui 434 mortos e desaparecidos. No pequeno Chile, 3.000. São 16,67 vítimas por 100 mil habitantes em números de agora. Em “brasileirês”, estaríamos falando de 35 mil pessoas.
A história não justifica a violência, sempre detestável. Mas ajuda a explicar por que certas ilusões disruptivas podem ser mais fortes em alguns lugares.
A concentração de renda no Chile das contas arrumadas é obscena: dados da ONU de 2015 apontam que 0,1% da população detém 19,5% da renda. Caso se multiplique esse contingente por 10, chega-se ao 1% que detém 33%. Amplie-se o grupo para 5% dos chilenos, e lá se encontram 51,5% da renda.
“Desigualdade é irrelevante desde que seja grande a riqueza”, dizem por aí. É? 1) Depende de quantos estão no piso e do seu valor. 2) Desigualdade se traduz em poder político, tendente a eternizar iniquidades.
Não há mais o que privatizar por lá nem reforma da Previdência a fazer. Já foi feita. Vigora no país, desde 1981, o regime de capitalização, sem contribuição empresarial, o que é uma aberração. O país que teria o 10º melhor sistema do mundo, segundo o Índice Global Mercer Melbourne de Sistemas Previdenciários, paga menos de um salário mínimo para 70% dos aposentados. Está quatro posições à frente do Reino Unido... É bom pra quem? Chileno pobre se recusaria a ter regalias de inglês pobre.
Grita o inconformado: “Todos os indicadores macroeconômicos e de renda do Chile são melhores do que os brasileiros”. Nessa conta não entram benefícios que, por aqui, são renda indireta não mensurada e que servem, se me permitem, como “distensionadores” sociais: SUS, Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada, aposentadoria rural, Fies, ProUni, Minha Casa Minha Vida...
É bom Dona Zelite pensar direito ao propor modelos alternativos de Previdência —o chileno, dá para ver, não presta— e ser muito criteriosa na hora de cortar alguns direitos e gastos que, por constituir renda indireta para os pobres, ajudam a manter a estabilidade política.
Afinal, em certo sentido, Lula foi um grande contrarrevolucionário, não é mesmo? Será isso uma ironia?
Ah, sim: se alguém gritar, “Vai pra Cuba, Reinaldo”, já posso responder: “Vai pro Chile inspirar gás lacrimogêneo”.
Nunca há uma única razão para eventos dessa natureza. Assistam, a propósito, ao excelente filme “O Mês que Não Acabou”, de Francisco Bosco e Raul Mourão. Trata das jornadas daquele junho de 2013 no Brasil, lembram-se? Vê-se hoje que tais eventos —e isto digo eu, não é tese do filme—, trouxeram danos bem maiores do que o perigo. Estou entre as pessoas ouvidas.
Os protestos de 2013 fizeram um morto no Brasil: o cinegrafista Santiago Andrade. No Chile de 18 milhões de habitantes, já são 15, o que evidencia uma violência exponencialmente maior. Imaginem se, dados os nossos 210 milhões, 175 morressem cobrando isso ou aquilo do governo.
Não por acaso, o presidente Sebastián Piñera —que tonitruou, de início, um discurso que ecoava a era Pinochet— ensaia agora uma espécie de mea-culpa, reconhecendo disfuncionalidades no parque de diversões do livre mercado como um fetiche —e, pois, um vício.
A experiência dos chilenos com a violência política é muito mais traumática do que a dos brasileiros. A ditadura militar fez por aqui 434 mortos e desaparecidos. No pequeno Chile, 3.000. São 16,67 vítimas por 100 mil habitantes em números de agora. Em “brasileirês”, estaríamos falando de 35 mil pessoas.
A história não justifica a violência, sempre detestável. Mas ajuda a explicar por que certas ilusões disruptivas podem ser mais fortes em alguns lugares.
A concentração de renda no Chile das contas arrumadas é obscena: dados da ONU de 2015 apontam que 0,1% da população detém 19,5% da renda. Caso se multiplique esse contingente por 10, chega-se ao 1% que detém 33%. Amplie-se o grupo para 5% dos chilenos, e lá se encontram 51,5% da renda.
“Desigualdade é irrelevante desde que seja grande a riqueza”, dizem por aí. É? 1) Depende de quantos estão no piso e do seu valor. 2) Desigualdade se traduz em poder político, tendente a eternizar iniquidades.
Não há mais o que privatizar por lá nem reforma da Previdência a fazer. Já foi feita. Vigora no país, desde 1981, o regime de capitalização, sem contribuição empresarial, o que é uma aberração. O país que teria o 10º melhor sistema do mundo, segundo o Índice Global Mercer Melbourne de Sistemas Previdenciários, paga menos de um salário mínimo para 70% dos aposentados. Está quatro posições à frente do Reino Unido... É bom pra quem? Chileno pobre se recusaria a ter regalias de inglês pobre.
Grita o inconformado: “Todos os indicadores macroeconômicos e de renda do Chile são melhores do que os brasileiros”. Nessa conta não entram benefícios que, por aqui, são renda indireta não mensurada e que servem, se me permitem, como “distensionadores” sociais: SUS, Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada, aposentadoria rural, Fies, ProUni, Minha Casa Minha Vida...
É bom Dona Zelite pensar direito ao propor modelos alternativos de Previdência —o chileno, dá para ver, não presta— e ser muito criteriosa na hora de cortar alguns direitos e gastos que, por constituir renda indireta para os pobres, ajudam a manter a estabilidade política.
Afinal, em certo sentido, Lula foi um grande contrarrevolucionário, não é mesmo? Será isso uma ironia?
Ah, sim: se alguém gritar, “Vai pra Cuba, Reinaldo”, já posso responder: “Vai pro Chile inspirar gás lacrimogêneo”.
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